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Eventual obrigação acessória deve ser instituída com cautela
A criação do Bitcoin desvendou uma tecnologia revolucionária que permitiu que indivíduos e empresas transfiram a titularidade de ativos digitais de forma segura e descentralizada, sem a interferência de intermediários. Desde então, milhares de ativos digitais foram criados para os mais diversos propósitos.
A descentralização e a ausência de identificação do titular das contas que movimentam os criptoativos geram enorme preocupação das autoridades tributárias de diversos países. É notável a existência de um esforço em estabelecer mecanismos que visem evitar que os criptoativos sejam usados para sonegação, corrupção e lavagem de dinheiro.
Nesse contexto, a Receita Federal do Brasil (RFB) colocou em consulta pública uma Instrução Normativa que pretende criar uma nova obrigação acessória: uma declaração com as informações de operações realizadas com criptoativos. O objetivo da RFB é obter informações que viabilizem “a verificação da conformidade tributária, além de aumentar os insumos na luta pelo combate à lavagem de dinheiro e corrupção”.
Nos termos da proposta, as informações sobre as operações serão prestadas pelas seguintes partes:
(i) pelas corretoras de criptoativos brasileiras (exchanges), com relação a todas as operações realizadas na sua plataforma; ou
(ii) pelas próprias pessoas físicas titulares dos criptoativos, quando as operações superem o valor mensal de R$ 10 mil e sejam realizadas fora de uma exchange ou por meio de exchange localizada no exterior.
A declaração deverá ser transmitida mensalmente à RFB e deverá conter informações sobre a data, o tipo e os titulares da operação, os criptoativos utilizados, a quantidade de criptoativos negociados, o valor da operação em reais e o valor das taxas de serviço cobradas em reais.
As exchanges brasileiras deverão também fornecer anualmente informações sobre o saldo de criptoativos detido por cada um dos clientes, com a posição de 31 de Dezembro.
A proposta da RFB prevê, por fim, a imposição de multa 3% do valor das operações caso as informações prestadas sejam inexatas, incompletas ou incorretas. O percentual é reduzido para 1,5% do valor da operação caso o declarante seja pessoa física.
Muito embora seja compreensível o interesse da RFB em ter mais informação e controle sobre as operações com criptoativos, uma eventual obrigação acessória deve ser instituída com cautela, dentro da realidade tecnológica e da razoabilidade que deve guiar a relação do Fisco com os contribuintes. Nesse sentido, vale efetuar alguns comentários preliminares.
Em primeiro lugar, a proposta de obrigação acessória acaba por onerar de forma desmedida as pessoas físicas, que já estão obrigadas a apurar e tributar pelo Imposto de Renda o ganho de capital nas operações com quaisquer ativos – inclusive criptoativos. Já existem declarações e informações específicas que devem ser prestadas quando da venda de ativos com a apuração de ganho de capital tributável.
Não parece ser razoável exigir que as pessoas físicas tenham que prestar em duplicidade informações a respeito das mesmas transações, em especial quando qualquer dado inexato, incompleto ou incorreto pode sujeitá-las a gravosas multas (1,5% do valor da operação). É recomendável que a RFB tenha cautela ao criar mais uma obrigação acessória para as pessoas físicas, em especial em situações nas quais as informações já estão abrangidas por outras declarações específicas.
Além disso, ainda que fosse exigível a prestação de informações pelas pessoas físicas, seria recomendável que a declaração abrangesse operações que estivessem acima do limite de isenção (operações que superem R$ 35 mil). O limite mensal de R$ 10 mil parece ser baixo e criará uma nova burocracia para pessoas físicas que operam dentro do limite de isenção.
Outro fator que deve ser levado em consideração é a exigência de que todas as operações sejam demonstradas em moeda nacional. Isso porque algumas operações envolvem a permuta de criptoativos que não possuem cotação oficial e/ou valor de mercado conhecido. Por exemplo, como é possível mensurar uma transação em que uma pessoa física permuta o criptoativo Ripple (XRP) pelo criptoativo Stellar (XLM)?
Por fim, vale comentar que a proposta de Instrução Normativa exige uma multa extremamente gravosa em caso de prestação de informações inexatas, incompletas ou incorretas (3% do valor da operação para pessoas jurídicas e 1,5% para pessoas físicas). Nos termos da proposta, uma exchange estará sujeita a uma multa superior à própria receita auferida na prestação de serviços, ainda que a informação inexata não tenha causado nenhum prejuízo ao Fisco.
Portanto, entendemos que a RFB deveria examinar as sugestões recebidas no contexto da consulta pública com muita atenção, de forma que sejam exigidas apenas informações que sejam necessárias, mensuráveis e factíveis, sem onerar excessivamente e desproporcionalmente as exchanges e as pessoas físicas que legitimamente realizam operações com criptoativos.
Por Luiz Roberto Peroba, Tiago Moreira Vieira Rocha
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