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Smoke on the water: o dilema da regulação de cigarros eletrônicos

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O sandbox regulatório como uma possível solução

Impulsionado pela tendência mundial antitabagista, ao passo que caem os números de fumantes tradicionais, o cigarro eletrônico vem se estabelecendo no mercado e conquistando público, sobretudo entre os jovens. No intuito de reduzir riscos e evitar inconvenientes, como a fumaça e o odor do cigarro comum, muitos usuários têm optado por adotar, como alternativa, o novo dispositivo. Mas não é só. Diversos conglomerados da indústria do tabaco adquiriram fabricantes de cigarros eletrônicos ou passaram a desenvolvê-los nos seus portfólios1.

O cigarro eletrônico nada mais é do que um utensílio composto por um atomizador, uma bateria e um cartucho, que pode conter ou não nicotina, além de outros aditivos variáveis, dispersados via aerossol que é inalado pelo usuário2. Criado pelo farmacêutico chinês Hon Lik, o cigarro eletrônico – ou e-cigarette, em inglês – foi patenteado em 2003, sob a promessa de funcionar como forma de reposição de nicotina em casos de dependência. Como propaganda, a indústria de cigarros eletrônicos, inclusive, levanta a bandeira de promover uma experiência de fumo mais segura para a saúde do consumidor3.

Ocorre que, por seu turno, as autoridades reguladoras declaram não haver comprovação médica acerca da suposta minimização de riscos à saúde pelo uso do cigarro eletrônico em comparação ao convencional, além de possuírem o receio de que a prática possa acabar atraindo novos usuários ao vício do tabagismo.

No Brasil, desde 2009, por meio da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 46/2009, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) proíbe a comercialização, importação e propaganda de quaisquer dispositivos eletrônicos para fumar. Mais especificamente, a norma proibitiva recai sobre os cigarros eletrônicos, e-cigarettes, ecigars e demais utensílios congêneres que aleguem substituição ao hábito de fumar ou uma alternativa no tratamento do tabagismo, além de seus respectivos acessórios e refis.

Interessante observar, contudo, que a proibição não incide sobre o uso dos dispositivos, mas tão somente sobre as suas operações comerciais. Dessa maneira, a única legislação que trata genericamente da utilização é a Lei nº 9.294/96, a qual dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros em geral e proíbe a utilização de tais itens em ambientes fechados. Isto é, embora vedada a comercialização e a importação, o uso dos cigarros eletrônicos em si não se encontra proibido no Brasil.

Nesse contexto, a despeito dos termos da RDC nº 46/2009, fato é que o consumo dos e-cigarettes vem se popularizando no Brasil, com alto apelo entre a população jovem4. Há, inclusive, estudos que demonstram o uso de técnicas de neuromarketing agressivas para convencer os consumidores sobre o cigarro eletrônico como uma alternativa saudável aos cigarros tradicionais5. E, apesar da negativa à comercialização e dos alertas de especialistas, não é difícil encontrar ofertas do produto em uma simples busca virtual.

Nota-se, portanto, que a regulação atual sobre o assunto mostra-se, no mínimo, ineficiente. Além disso, ao se aprofundar nos fundamentos da norma proibitiva, no tocante à alegada incerteza sobre os possíveis riscos ocasionados à saúde, ela soa também incoerente. Ora, se o cigarro convencional comprovadamente provoca tais riscos e seu uso é permitido no Brasil, razão não haveria para proibir aquele sobre o qual nem mesmo paira a certeza sobre os malefícios.

Assim, a manutenção do modelo regulatório atual, além de incompatível com a realidade fática, resta por inviabilizar a fiscalização sobre os itens que vêm sendo clandestinamente consumidos pela sociedade e, consequentemente, obsta a pesquisa e coleta de dados sobre o assunto.

A não proibição, por outro turno, viabilizaria a regulamentação especializada, como já é feito em relação ao próprio cigarro tradicional. Ou seja, a partir daí, tendo em vista que a população já tem acesso e consome os itens em questão, seria possível aprimorar a conscientização sobre o assunto, estabelecer parâmetros de controle de qualidade e procedência e, até mesmo, promover medidas de desincentivo à prática, como imposições tributárias e alertas em embalagens6.

Nesse ponto, surge o impasse: embora esteja claro que o atual modelo é incompatível com os anseios e avanços da sociedade e do mercado, não há definição acerca de qual estratégia regulatória adotar daqui em diante. Em razão disso, é interessante a análise do regime de sandbox regulatório como uma alternativa.

Oriundo da ciência computacional, o termo sandbox refere-se, originalmente, ao isolamento de parcela de um sistema operacional, como meio para teste de soluções, sem o risco de comprometer as demais áreas7. Ao transferir esta noção para a seara do direito regulatório, tem-se a ideia de isolar determinado projeto e testar sua execução em ambiente previamente delimitado e supervisionado pela competente autoridade reguladora8, de modo a possibilitar a análise do novo cenário e a formulação de novas políticas que o comportem.

Dessa forma, sob fiscalização constante e autorização provisória do órgão regulador, múltiplos são os benefícios gerados. O mercado ganha espaço para apresentar produtos e testar soluções inovadoras. O consumidor, por sua vez, tem acesso a itens inéditos e seguros, vez que produzidos em ambiente regulado. Já as autoridades tornam-se mais próximas dos sujeitos e empresas tutelados, sendo capazes de compreender com maior propriedade o cenário em questão e avaliar as medidas a serem implementadas para sua plena regulamentação.

Como definido por Bruno Feigelson, o sandbox é uma forma eficiente de regular a inovação de maneira provisória sem, entretanto, inviabilizar novas práticas benéficas para a sociedade, perder o timing das mudanças e nem correr o risco de criar uma norma estanque por falta de benchmarks9.

Assim, em se tratando do dilema acerca dos cigarros eletrônicos, tendo em conta que o atual regime vem se mostrando ineficaz em seus próprios termos, a ideia do sandbox regulatório pode ser encarada como uma possibilidade de pensar novas soluções e, paralelamente, lidar com as incertezas que ainda pairam sobre o tema. Isto é, em um espaço neutro e controlado, autoridades e empresas poderiam testar itens, analisar fórmulas, sopesar riscos e, acima de tudo, entregar ao consumidor, caso assim entendam, produtos seguros e certificados.

Tem-se, portanto, que, independente do projeto ora sugerido, é urgente debater e analisar possíveis saídas para o atual cenário. Não pode o arcabouço jurídico permanecer inerte diante das inovações e tendências identificadas no meio social. Nesse sentido, justamente por se tratar de nicho mercadológico em indubitável expansão, oportuna seria a revisão da matéria e proposição de estratégias aptas a avaliar os produtos à disposição do mercado e aferir, de fato, suas possíveis interações e implicações sobre o público consumidor.

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1 SOKOL, Karen C. Tort as a Disrupter of Cultural Manipulation: Neuromarketing & the Dawn of the E-Cigarette. South Carolina Law Review, 191 (2014). Disponível em: //ssrn.com/abstract=2435245. Acesso em: 10 jan. 2019.

2 BENEDETTO, Igor Gorski; GAZZANA, Marcelo Basso; HOFFMEISTER, Mariana Costa; KNORST, Marli Maria. “Cigarro eletrônico: o novo cigarro do século 21? (The electronic cigarette: the new cigarette of the 21st century?)”. Trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Pneumológicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil. Disponível em: <//www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/118213/000952882.pdf?sequence=1>. Acesso em: 10 jan. 2019.

3 PETERSON, Joshua. Electronic Cigarettes: The Ethical Implications of Marketing a Safer Cigarette (Novembro de 2013). Disponível em: //ssrn.com/abstract=2500600. Acesso em: 10 jan. 2019.

4 ALVES, Gabriel; BATISTA, Everton Lopes; CANCIAN, Natália. “Com apelo jovem, cigarro eletrônico cresce e preocupa governos”. Disponível em: <//www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2018/06/com-apelo-jovem-cigarro-eletronico-cresce-e-preocupa-governos.shtml>. Acesso em: 10 jan. 2019.

5 PARADISE, Jordan K. No Sisyphean Task: How the FDA Can Regulate Electronic Cigarettes. XIII Yale Journal of Health Policy, Law, and Ethics 1-32, Primavera de 2013. Disponível em: //ssrn.com/abstract=2118802. . Acesso em: 10 jan. 2019.

6 CHEHUEN, Lucas Kojo. Como o cigarro eletrônico é regulado no ordenamento jurídico brasileiro e no de outros países: as razões que levam a um tratamento único e possíveis alternativas para a atual proibição administrativa no Brasil pela ANVISA. Trabalho de Conclusão de Curso. Disponível em: <//repositorio.ufjf.br/jspui/handle/ufjf/6242>. Acesso em: 11 jan. 2019.

7 FEIGELSON, Bruno. Sandbox: o futuro da regulação. Disponível em: //www.jota.info/?pagename=paywall&redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/regulacao-e-novas-tecnologias/sandbox-o-futuro-da-regulacao-15012018. Acesso em: 14 jan. 2018.

8 ALVARENGA, Daniel. Sandbox’ regulatório e o direito a favor das fintechs. Disponível em: <//amp.valor.com.br/opiniao/5446491/sandbox-regulatorio-e-o-direito-favor-das-fintechs>. Acesso em: 14 jan. 2018.

9 FEIGELSON, Bruno. Sandbox: o futuro da regulação. Disponível em: //www.jota.info/?pagename=paywall&redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/regulacao-e-novas-tecnologias/sandbox-o-futuro-da-regulacao-15012018. Acesso em: 14 jan. 2018.

 

Por Daniel Becker, Mariana Louback Lopes

Fonte: //www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/regulacao-e-novas-tecnologias/smoke-on-the-water-o-dilema-da-regulacao-de-cigarros-eletronicos-20012019

Créditos da imagem: Sarah Johnson.

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