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Pandemia, suspensão do atendimento presencial e audiências telepresenciais

Publicado em
mediacao-online

De acordo com Didier Júnior (2015), “negócio processual é o ato voluntário, em cujo suporte fático confere-se ao sujeito o poder de escolher a categoria jurídica ou estabelecer, dentro dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais”.

Classificados em típicos (os previstos no CPC) e atípicos (as medidas gerais previstas no art. 190 do mesmo diploma), pode-se dizer que os típicos sempre foram de farto uso no processo do trabalho; exemplos são o adiamento da audiência por convenção das partes, a suspensão do processo para tratativas de conciliação, a desistência de pedidos com concordância da parte contrária.

Quanto aos atípicos para modulação de procedimento e ajuste de regras ao processo, foram inseridos no sistema através do art. 190 do CPC de 2015, mas previamente à vigência já se manifestou resistência de aceitação pelo processo do trabalho. Isso porque a Instrução Normativa TST 39/16 limitou sua aplicação ao processo do trabalho, entendendo que não teria com ele compatibilidade. Embora essa instrução não tenha caráter vinculante, a partir dessa primeira interpretação se instalou resistência à figura, que foi pouco discutida no âmbito do processo do trabalho até aqui.

Entretanto, observa-se que advogados e magistrados são agora compelidos a revisar essa posição refratária inicial ao negócio processual a partir das necessidades criadas pelo panorama da pandemia.

O negócio processual entra definitivamente em cena, em especial quando se analisa a possibilidade da realização da audiência telepresencial, que também encontra resistência generalizada da comunidade jurídica, por motivos diversos.

Como a audiência por teleconferência não deixa de se constituir espécie de alteração do procedimento tradicional, poderia ser objeto de negócio processual atípico.

Considerando essa resistência diagnosticada na comunidade jurídica em geral e a necessidade de retomada integral da marcha processual, sempre que possível, propõe-se, para melhor aceitação dessa controversa novidade, a elaboração de um negócio jurídico processual plurilateral, onde se contará com a participação dos procuradores e do juiz em sua formulação, através da designação de audiência para saneamento compartilhado do processo.

Vários motivos justificam essa proposta: primeiro, porque, considerando a reticência inicial quanto à compatibilidade do negócio processual para modular procedimentos, essa sistemática compartilhada talvez seja mais palatável a todos os envolvidos; em segundo aspecto, porque, como contará com a participação dos advogados e do juiz, o controle de validade e os limites dessa negociação estarão sendo feitos de forma contínua e concomitante por todos os atores processuais; e terceiro, porque a experiência mostra que é mais fácil se chegar a um consenso entre partes opostas com um mediador – e o juiz poderá servir como mediador nessa situação tão delicada.

Ressalte-se que também é possível a negociação dos termos da teleaudiência de forma bilateral, não obstante pareça ser de mais difícil consenso. O que se tem observado na prática é que muitos advogados, quando consultados por despacho judicial sobre a possibilidade da adoção da instrução por teleconferência, tendem a responder negativamente.

As justificativas são variadas, indo de motivos técnicos ao receio da contaminação da prova pela falta de segurança do entorno, mas, em suma, trata-se de uma reação humana comum: o receio de lidar com uma quebra de paradigma disruptiva.

Para lidar com essa resistência e demonstrar a viabilidade da instrução por videoconferência, a adoção do saneamento compartilhado do processo, em audiência telepresencial, com a participação dos advogados, em verdadeiro negócio processual plurilateral, parece ser mais democrático.

Nesse procedimento, aplica-se a norma prevista no art. 357, §3º, do CPC, aproveitando-se que o Ato 11/20 do GCGJT faz referência expressa tanto à negociação processual quanto à adoção emergencial da sistemática procedimental do CPC.

Explica-se. O art. 357 do CPC estabelece que, em não sendo hipótese de julgamento antecipado ou de extinção do processo, o juiz deverá proferir decisão de saneamento e de organização do processo, resolvendo eventuais questões processuais pendentes, delimitando as questões de fato sobre as quais deverá recair a atividade probatória e especificando os meios de prova admitidos, definindo a distribuição do ônus da prova, delimitando as questões de direito relevantes para a decisão do mérito e designando, se necessário, audiência de instrução e julgamento.

Essa decisão de saneamento tradicionalmente é formalizada nos autos de forma escrita, como decisão interlocutória, mas o § 3º do mesmo artigo estabelece que, quando a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, o juiz deverá designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que, se for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações.

Embora no processo civil a audiência esteja prevista como mandatória para as causas que apresentem maior complexidade em matéria de fato e de direito, pode ser adotada como procedimento de rotina no processo do trabalho, no contexto da pandemia, para que o juiz e os advogados negociem condições que viabilizem a realização da audiência de instrução por teleconferência.

Nesse caso, sugere-se que as partes sejam primeiramente intimadas para especificação de pontos controvertidos e indicação de provas a serem produzidas; posteriormente os autos devem ser incluídos em pauta para audiência de conciliação, que se reputa essencial ao processo trabalhista, seguida de saneamento compartilhado, caso necessário.

Uma vez que as partes já especificaram previamente seus pontos controvertidos, existe condições para que o juízo faça uma análise prévia da complexidade das questões envolvidas, levando para a audiência, caso infrutífera a conciliação, uma proposta de saneamento e de prosseguimento na coleta das provas orais.

Permite-se, ali, o contraditório, e eventuais objeções e questionamentos levantados pelas partes já são consideradas e decididas. Em muitos casos, inclusive, as partes e o juízo podem concluir pela desnecessidade de produção de outras provas, prosseguindo-se com o julgamento do processo no estado em que se encontra.

Caso remanesça a necessidade de produção de prova oral, passa-se à negociação de prosseguimento para a teleconferência, caso as partes apresentarem condições técnicas para isso. A própria audiência de saneamento já permite avaliar o grau de complexidade da causa e balizar questões como a estabilidade do sinal de internet e a facilidade do manuseio da plataforma pelos envolvidos. Deve-se respeitar a decisão dos advogados, caso apontem elementos razoáveis para o não prosseguimento da instrução por videoconferência.

Ainda que de início as partes se mostrem contrárias à instrução por vídeo, nesse momento é possível argumentar demonstrando sua viabilidade. É importante deixar claro que existe segurança no sistema (os depoimentos são gravados e disponibilizados nos autos e a ata é gerada pelo sistema) e que existe um compromisso do juízo quanto à estrita observação do devido processo legal (o que se dá, por exemplo, quando se deixa expressa a garantia que no caso de inconsistências do sinal de internet de qualquer dos envolvidos ou problemas técnicos os atos serão suspensos e retomados em outra data, sem penalização).

Nessa oportunidade também é possível ajustar o procedimento com as partes: se serão ouvidas apenas as partes, inicialmente, como é possibilitado pelo Ato 11, ou se já serão ouvidas também testemunhas; se as testemunhas serão ouvidas em suas próprias residências ou se irão ao escritório do advogado (o que muitas vezes é necessário, considerando os notórios problemas de inclusão digital desigual); determinar em conjunto como se dará o depoimento, inclusive ajustando detalhes como a posição que a câmera deverá ficar para que seja possível visualizar todo o entorno do local onde será realizado o ato, também ajuda a dar segurança aos envolvidos.

Essas negociações, mediadas pelo juiz, têm o condão de fortalecer as relações de confiança das partes com o Judiciário e entre si mesmas, conduzindo a uma solução adequada e eficiente. Também diminuem a litigiosidade, favorecendo solução conciliada.

Em suma, a designação de audiência para saneamento e organização compartilhadas do processo, como negociação processual plurilateral, coloca em evidência e estimula o fortalecimento das relações cooperativas e de boa-fé entre todos os atores processuais.

Sem a construção de uma relação de confiança entre os envolvidos a instrução por videoconferência se tornará muito difícil, para não dizer impossível. E, negociados os termos da audiência de forma plurilateral, todos ficam vinculados ao que foi ajustado, diminuindo posteriores discussões sobre nulidades processuais. Talvez, num período pós-pandemia, isso possa colaborar para a melhoria da prestação jurisdicional célere e efetiva – até porque algumas questões vieram para ficar, como tende a ocorrer com as cartas precatórias.

Nesse sentido, é importante lembrar a reflexão que o sociólogo português Boaventura de Souza Santos (A Cruel Pedagogia do Vírus, 2020) faz sobre os efeitos do vírus: embora seja uma situação cruel, também se apresenta à sociedade como uma questão pedagógica, que demanda uma viragem epistemológica, cultural e ideológica para que sejam encontradas soluções políticas, econômicas e sociais que garantam a continuidade da vida humana digna no planeta. O período de sofrimento também pode gerar aprendizagem e evolução coletivas.

Assim, talvez seja possível aproveitar essa experiência tão difícil para criar um procedimento que seja mais adequado à resolução justa e célere dos conflitos, com responsabilidade compartilhada entre todos os atores do processo.

Fonte: JOTA

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