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O ato de legislar envolve grande dispêndio de recursos econômicos e humanos pelas casas legislativas, comunidade acadêmica e sociedade civil. Uma vez editada, a lei nova exige ainda um esforço adicional do Poder Judiciário e dos aplicadores do direito, na sua interpretação e aplicação. Para não serem desperdiçados, esses esforços devem se basear em investigações da realidade jurídica concreta e atual, a fim de garantir que novos regimes legais atendam aos anseios da população e aos conflitos reais que diariamente são encaminhados aos nossos tribunais.
Por mais cautela que se tenha na elaboração de uma lei, ela sempre conterá um espaço de liberdade que deverá ser preenchido no momento de seu cumprimento. Os estudos empíricos do direito, assim, assumem papel de grande relevância, pois permitem que saibamos como os cidadãos e os julgadores portam-se diante de uma lei já existente e como provavelmente se portarão frente a uma nova lei. Essa modalidade de investigação é uma importante ferramenta que permite calcular como uma lei provavelmente será recebida e se será cumprida — ou não — pela sociedade.
Um dos meios econômicos e rápidos para investigar essa realidade é a jurimetria, disciplina que estuda o funcionamento da ordem jurídica através da estatística, descrevendo as características do direito em operação e inferindo associações capazes de explicar o comportamento e as reações dessa ordem. Fazendo uso de amostragens e estudos inferenciais, essa técnica é capaz de investigar grandes populações e identificar relações de associação e causalidade que elucidem as razões dos sucessos e fracassos de nossas práticas correntes. O plano concreto do direito precisa ser estudado porque as decisões dos tribunais, os contratos e todos os atos diariamente criados aos milhares na ordem jurídica brasileira não são uma consequência mecânica da lei, mas constituem o resultado de um complexo e rico processo de coordenação de fatores jurídicos, sociais, econômicos e psicológicos, que contêm informações abundantes a respeito dos desafios a serem enfrentados pelos legisladores.
Há ainda outro aspecto que demonstra a importância dos estudos empíricos no legislar. Eles são importantes, também, para que saibamos onde existe hiper e onde existe hiporregulação, isto é, em que campos já há intervenção normativa excessiva do Estado e onde, de outro lado, existe uma carência dessa intervenção. Tais estudos permitem saber onde é e onde não é necessária reforma legislativa, bem como, tendo se concluído pela necessidade de reforma, o quê e de que modo deve ser alterado.
As pesquisas jurimétricas são um canal de acesso privilegiado ao plano concreto do direito, capaz de descrever essas grandes populações de conflitos (o Poder Judiciário brasileiro enfrentou a massa de inacreditáveis 90 milhões de processos em 2011), informar os legisladores e juristas a respeito das deficiências dos regimes legais atualmente vigentes e, assim, viabilizar uma imagem mais nítida dos aperfeiçoamentos que eles comportam. Nenhum médico ou laboratório coloca no mercado um medicamento sem antes submeter seu princípio ativo a rigorosos testes de controle. Da mesma forma, os “medicamentos sociais”, que são as leis, também necessitam ser submetidos a testes capazes de antecipar a sua adequação para superar os distúrbios que se propõem a corrigir.
O Brasil passa por um momento de profunda transformação econômica e social, fato reconhecível através dos inúmeros projetos de lei e de reformas codificadoras em trâmite no Congresso Nacional. Neste momento histórico, é essencial que atentemos para a importância dos estudos empíricos. Legislar sem dados estatísticos é legislar no escuro. Estudos acadêmicos abstratos são necessários, mas igualmente imprescindível é estudar a realidade e raciocinar com uma lógica voltada para a prática. Tudo isso nos ajudará a traçar políticas legislativas com maior probabilidade de acerto.
A disseminação de pesquisas jurimétricas auxiliará a comunidade jurídica tanto na elaboração de diagnósticos como no desenvolvimento de soluções. A jurimetria tem condições de dar suporte nos debates legislativos e, principalmente, de (i) identificar os focos de hiper e hiporregulação; (ii) superar debates legislativos idiossincráticos, baseados exclusivamente em experiências pessoais e conceitos teoréticos dos operadores do direito; (iii) diagnosticar com maior precisão os problemas que justificam a movimentação da máquina legislativa; (iv) a antecipar com razoável precisão os efeitos de novos regimes jurídicos; e (v) a avaliar os resultados das transições entre regimes, bem como o cumprimento das metas preestabelecidas pelo Legislativo. Como resultado, teremos uma ordem jurídica mais aderente à realidade, mais funcional, mais eficaz, mais rápida, mais econômica e, portanto, mais justa.
Por Marcelo G. Nunes e Guilherme S. J. Pereira
Fonte: https://www.conjur.com.br/2013-jan-13/importancia-pesquisa-ato-legislar
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