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Publicação original, Lexlatin.
Primeiros processos trabalhistas chegam ao STF, enquanto ministro do Trabalho ataca “neura do lucro dos capitalistas” de empresas que, em muitos casos, ainda não registraram qualquer lucro.
Em audiência na Câmara dos Deputados no dia 4 de outubro, o ministro do Trabalho e Emprego (MTE), Luiz Marinho, disse que, se a Uber quiser sair do Brasil, “o problema é só da Uber”. Ele afirmou ter provocado os Correios para estudar a criação de um aplicativo “para colocar de forma mais humana, para os trabalhadores poderem trabalhar sem a neura do lucro dos capitalistas” de empresas como Uber e iFood. Na ocasião, ele falou sobre a regulamentação que o governo prometeu para as plataformas digitais.
“Não é justo que tenhamos muitos trabalhadores sujeitos ao trabalho de aplicativos 14, 16, 17 horas por dia pra sobrar alguma coisa pra sustentar a sua família. Isso é trabalho quase que análogo à escravidão. É superexploração. Portanto a regulamentação tem que garantir salário mínimo, jornada, previdência e proteção social, porque as pessoas se acidentam e adoecem e não têm nenhuma proteção, hoje.”
Em setembro, a 4ª Vara do Trabalho de São Paulo condenou a Uber do Brasil a pagar multa de R$ 1 bilhão por danos morais coletivos e obrigou a empresa a registrar mais de 500 mil motoristas. Em julho, o iFood já havia assinado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público Federal (MPF) e com o Ministério Público do Trabalho (MPT) para encerrar a investigação sobre suspeita de ter monitorado entregadores e publicado conteúdo contrário aos seus pleitos, durante a pandemia. A empresa se comprometeu a investir R$ 6 milhões no financiamento de projetos que analisem a relação de trabalho com os entregadores e a responsabilidade social das plataformas.
Sócio do Lima Feigelson Advogados, Bruno Feigelson, lembra, contudo, que muitas dessas empresas não deram lucro desde que foram criadas, no contexto pós-crise financeira de 2008. A crise do subprime provocou forte desemprego, principalmente nos Estados Unidos. Foi então que se desenvolveu a chamada gig economy, ou seja, uma economia baseada em empresas que viabilizam trabalhos informais.
“O conceito de gig economy surge como uma grande panaceia, uma solução global, em que as pessoas teriam maior flexibilidade de trabalho. A pandemia foi um vetor de aceleração de vários modelos desses negócios, como o dos aplicativos de transportes. Hoje há empresas muito grandes, mas é interessante notar que muitas dessas empresas ainda são antieconomics. Tem big techs que receberam aporte muito expressivo e que, ainda assim, não conseguem dar um retorno almejado pelos seus investidores, o que gera um questionamento inclusive se essas plataformas fecham a conta.”
Direito regulatório x inovação
De fato, foi somente no segundo trimestre deste ano que a Uber registrou o primeiro lucro de sua história. O CEO do iFood já disse que a meta principal da empresa fundada em 2011 ainda não era lucro, mas crescimento. Um setor que tem menos problemas trabalhistas, mas que, pela alta no preço dos aluguéis, está ameaçado de proibição em cidades como Nova York e Lisboa, o Airbnb está quebrado, segundo o seu próprio CEO. Todas essas empresas criaram modelos de negócios disruptivos para os setores em que atuam, o que faz com que o primeiro choque jurídico se dê no campo do direito regulatório. Foi por isso que Feigelson escolheu o tema para seu doutorado na Uerj.
“Sou um pouco cético em relação tanto às notícias políticas, como às dos tribunais. Minha tese de doutorado foi sobre regulação da inovação e inclusive tenho um artigo de 2016 que foi citado pelo ministro Barroso quando da análise da questão da possibilidade dos aplicativos de transportes, não no viés trabalhista, mas no regulatório, que era a grande questão de 2016. Na pesquisa, eu defendi que o estado está perdendo um pouco do enforcement”, recorda, explicando que a discussão só foi pacificada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2019, quando “já não era uma questão”.
“Não consigo ver o Brasil, de dimensões continentais, inviabilizando o modelo. Até porque, se tirar uma empresa, vão surgir outras. Vi outro dia que, numa cidade do interior de Minas, criaram-se seis, sete aplicativos, por motoristas da região. Há prefeituras que criam, e há uma discussão se isso não é papel do estado. Então, porque elas não ganham uma dimensão grande? Porque não têm capital apto a isso.”
Ainda que a questão possa ser muito relevante para um governo mais alinhado aos interesses dos trabalhadores, como o atual, inviabilizar não parece ser do interesse de ninguém. Neste sentido, o governo publicou no último 1º de maio o Decreto 11.513, que instituiu grupo de trabalho no MTE para elaborar uma regulamentação. A divulgação da proposta é aguardada para acontecer a qualquer momento.
Entretanto, o advogado Alexandre Cardoso, sócio do TozziniFreire, mostra-se cético com os resultados de um grupo tão grande, com 45 membros.
“Impossível sair alguma coisa dali. Foi formatada uma proposta que aparentemente desagradou os dois lados, porque só contém parcialmente temas debatidos no grupo. Houve uma série de proposições, tanto do lado do representante dos trabalhadores, quanto das plataformas envolvidas, mas parece que o projeto que será encaminhado ao congresso contém aspectos que foram decididos só pelo MTE”, lamenta.
Subordinação algorítmica e ações coletivas Outro pilar dessa discussão são as decisões judiciais. “Um grande problema que temos hoje são as ações coletivas. Tem dezenas de casos que já tramitaram pela Justiça do Trabalho, vários negando o vínculo em todas as instâncias, inclusive pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). De repente vem uma ação coletiva, e um juiz de primeira instância reconhece vínculo pra todo mundo. Definitivamente não cabe discutir a questão de vínculo empregatício em uma ação coletiva, porque um dos aspectos históricos do direito do trabalho é que cada pessoa que se entende como empregado tem que, na discussão inicial, dizer que trabalhava com pessoalidade”, frisa Cardoso.
São quatro os pilares que sustentam o reconhecimento do vínculo trabalhista típico da CLT na Justiça do Trabalho: pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação. Para o sócio do TozziniFreire, o grande problema no Brasil é que há um sistema binário em que ou se é registrado pela CLT e tem tudo, ou é autônomo e não tem nada.
“Não há, como em ordenamento de outros países, alternativas para que se dê uma rede melhor de proteção, sem a tentativa forçada de identificar como empregado tipicamente CLT.”
Advogados costumam identificar essa “tentativa forçada” na aceitação por alguns juízes da tese da subordinação algorítmica. Sem um superior imediato a quem os motoristas e entregadores precisem se reportar, o próprio modo como funciona o sistema das empresas tem sido apontado como aquele que exerce um papel de “chefe” de uma relação trabalhista tradicional.
“O conceito da subordinação é o mais relevante na análise do vínculo de emprego. Quando a subordinação não é tão evidente, deixa-se de reconhecer o vínculo. A subordinação algorítmica é uma tese frágil, porque o algoritmo é uma forma de codificação de uma plataforma e segue uma linha lógica para os fins a que se presta. Então, não há a subordinação de alguém para uma ferramenta tecnológica. A criação da subordinação foi criada de alguém para outra pessoa. É pessoal. Portanto isso é uma doutrina que surgiu nas poucas decisões que reconhecem o vínculo”, explica Cleber Venditti, sócio do Mattos Filho.
Sem regulação, decide o STF
De acordo com o advogado, o número de decisões que aceita essa tese é da ordem das dezenas, contra centenas de outras que não reconhecem o vínculo. Ele destaca, entretanto, que a questão só será pacificada quando o STF decidir os primeiros casos, que só agora começam a chegar na corte.
“A situação vai se resolver de forma definitiva de dois jeitos: um, vamos ter uma decisão do Supremo em algum momento; ou se aprova um projeto de lei para regular a questão. O PL é um pleito dos consumidores dos serviços da plataforma, e também das plataformas. Há um interesse de todos os envolvidos que haja uma regulação sobre a matéria, que tenha regras explícitas sobre o tema.”
Venditti aponta um caso em que atua que já está na fila para julgamento no STF, o Recurso Extraordinário 1.446.336.
“Mas o STF já proferiu decisões, e o caso mais emblemático foi um processo da Cabify, alguns meses atrás, em que o ministro Alexandre de Moraes entendeu que não há possibilidade da Justiça do Trabalho reconhecer vínculo de emprego naquele caso. Foi uma decisão de um ministro, mas já houve uma sinalização do STF de que essa discussão sequer seria da Justiça do Trabalho e, se muito, não haveria vínculo de emprego.”
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