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Lawtechs e legaltechs: a mudança da Justiça brasileira

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Para alguns, resolver uma questão na Justiça brasileira é sinônimo de dor de cabeça. Outros nem têm acesso à Justiça. O remédio para esse problema vem das Lawtechs e Legaltechs, as startups jurídicas. Ao aplicarem tecnologia ao direito essas empresas dão mais celeridade, acurácia e transparência aos processos, impactando juristas e a sociedade. Mercado não falta no país dada a complexidade do sistema jurídico nacional: são dados fragmentados em diversos foros e não há padronização nas peças. Como grandes problemas geram boas soluções, o Diretor executivo da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L), Daniel Marques, acredita que “se existe um lugar no mundo para surgir mais um unicórnio jurídico é o Brasil”. Por enquanto, ainda estamos destravando esse ecossistema. “Ao mesmo tempo que os escritórios estão adotando mais tecnologia, ainda existe um
espaço muito grande de crescimento. As tarefas burocráticas podem ser automatizadas para que os advogados possam focar mais no cliente. Às vezes, o escritório fica perdendo tempo em tarefas muito burocráticas em que a tecnologia pode ajudar e
muito”, afirma Marques.

As Legaltechs são minoria no ecossistema de inovação brasileiro. De acordo com o StartupBase, da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), apenas 1,03% das 13.704 startups nacionais atuam no segmento de direito. Já a AB2L mapeou mais de
200 empresas do tipo, no qual a maioria é de gestão de escritórios e departamentos jurídicos. A entidade do setor divide o segmento nas seguintes categorias:
● Analytics e Jurimetria: plataformas de análise e compilação de dados e jurimetria.
● Automação e Gestão de Documentos: softwares de automação de documentos jurídicos e gestão do ciclo de vida de contratos e processos.
● Compliance: empresas que oferecem o conjunto de disciplinas para fazer cumprir as normas legais e políticas estabelecidas para as atividades da instituição.
● Conteúdo Jurídico, Educação e Consultoria: portais de informação, legislação, notícias e demais empresas de consultoria com serviços desde segurança de informação a assessoria tributária.
● Extração e monitoramento de dados públicos: monitoramento e gestão de informações públicas como publicações, andamentos processuais, legislação e documentos cartorários.
● Gestão de escritórios e departamentos jurídicos: soluções de gestão de informações para escritórios e departamentos jurídicos.
● IA – Setor Público: soluções de Inteligência Artificial para tribunais e poder úblico.
● Redes de profissionais: redes de conexão entre profissionais do direito, que permitem a pessoas e empresas encontrarem advogados em todo o Brasil.
● Regtech: soluções tecnológicas para resolver problemas gerados pelas exigências de regulamentação.
● Resolução de conflitos online: empresas dedicadas à resolução online de conflitos por formas alternativas ao processo judicial como mediação, arbitragem e negociação de acordos.
● Taxtech: plataformas que oferecem tecnologias e soluções para todos os seus desafios tributários.
● Civic Tech: tecnologia para melhorar o relacionamento entre pessoas e instituições, dando mais voz para participar das decisões ou melhorar a prestação de serviços.
● Real Estate Tech: aplicação da tecnologia da informação através de plataformas voltadas ao mercado imobiliário e cartorário.

O Poder Judiciário finalizou o ano de 2020 com 75,4 milhões de processos em tramitação, de acordo com o “Relatório Justiça em Números 2021”, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A quantidade de ações demonstra o potencial de tecnologias como a Inteligência Artificial nesse mercado, podendo acelerar o trabalho de advogados e juízes simplesmente por automatizar a coleta e análise de dados. Segundo a AB2L, cerca de 30% das atividades de um advogado são passíveis de automação.
Com a aplicação de IA e a utilização de uma plataforma Digital Twin, a startup Koy Inteligência Jurídica consegue analisar um processo de cerca de 300 páginas em seis segundos. Se aplicada a um escritório, essa tecnologia acelera a atividade de acompanhamento processual, evita erros humanos na coleta de dados, garante o compliance de dados e libera os advogados para fazer encaminhamentos. “Com a coleta de dados de forma manual, não se tem certeza de que o que está sendo colocado no sistema da empresa é realmente o que está na Justiça. O humano pode errar ao captar os dados manualmente. Uma empresa com 3 mil processos, só atualiza uma parcela dessas ações por dia porque isso demanda muita mão de obra. Uma pessoa só consegue analisar quatro processos pequenos por dia”, afirma a CEO da Koy, Karla Capela.


Outra questão é que o ser humano não consegue acompanhar simultaneamente todos os processos de uma firma. Já uma máquina é capaz de fazer essa tarefa. É por esse motivo que a Koy consegue indicar ações antecipadamente para os advogados e evitar
que a empresa perca dinheiro em processos, como quando há um bloqueio judicial. A IA também pode ser usada para facilitar a pesquisa jurídica, como faz a Jusbrasil. A startup possui um produto que faz a conexão dos dados para ajudar a formulação de
argumentos com base em informações sobre a legislação, a doutrina, ou seja, como a academia se posiciona sobre um tema; e a Jurisprudência, que é como as cortes estão decidindo sobre um assunto. “Para ter uma pesquisa cada vez mais completa, é preciso fazer um trabalho muito grande de recuperar os dados no momento que um usuário precisa. Se um usuário entra no Jusbrasil e procura por uma Jurisprudência, a página vai indicar links que ajudam a entender sobre o tema. Queremos fazer as pessoas encontrarem o que elas precisam e conseguirem se aprofundar nos temas”, afirma o COO da Jusbrasil, Felipe Moreno.


Apesar dos benefícios das tecnologias, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Ricardo Villas Bôas Cuevas ressaltou que o Poder Judiciário precisa ter atenção ao uso das ferramentas, como a IA, e à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) ao aplicar
soluções tecnológicas nos seus sistemas. “As ferramentas colocam desafios complexos e éticos de como devem ser tratados e disciplinados os algoritmos, que certamente potencializarão o uso da Justiça digital”, afirma Cuevas, durante o Webinário Justiça 4.0, do CNJ. A digitalização da Justiça representa ganho de tempo e recursos. De acordo com o Relatório do CNJ, 48 dos 90 tribunais analisados estão com todos os processos digitalizados. Além disso, 96% das novas ações entram na Justiça pela via eletrônica. No ano passado, os tribunais conseguiram gastar R$ 4,6 bilhões a menos que em 2019. No setor privado, o ganho de tempo fica claro no segmento de crédito. No caso do empréstimo para a atividade agrícola, a startup Docket reduz o prazo de formalização da operação de 60 para 20 dias. “Focamos no segmento de crédito porque tem uma recorrência, as operações têm uma jornada muito burocrática e existe uma demanda muito reprimida. Esses processos dependem de muitos documentos, que podem ser digitalizados”, explica Pedro Roso, CEO da Legaltech, que é focada em Serviços Financeiros, Real Estate e Agronegócio.

A população é a grande beneficiada pelas melhorias no judiciário causadas pelas Legaltechs. Além de resolverem os problemas mais rápido, a digitalização amplia o acesso à Justiça, que não está disponível para quase 60 milhões de brasileiros por falta de defensores públicos. Ferramentas que dão acesso à informações jurídicas permitem que a população conheça seus direitos e acompanhe processos. “O Direito brasileiro está caminhando cada vez mais para a Justiça multiportas, ou seja, a resolução de conflitos e litígios não necessariamente precisa passar pelos tribunais. No começo da pandemia houve a interrupção de prazos e aumentou o número de clientes de empresas de resolução de conflitos online”, pontua o diretor executivo da AB2L.
Marques ainda aponta duas tendências causadas pela digitalização do setor: a Jurimetria e a garantia da LGPD. A primeira é a aplicação da Estatística no Direito, o que permite que os juristas tenham uma visão mais estratégica. Com a Jurimetria é
possível usar os dados dos tribunais para entender como cada foro funciona e decidir qual a melhor tese em cada caso. Além de mais eficácia, a técnica aumenta a previsibilidade da Justiça por permitir medir as chances de ganhar ou perder uma ação.
“É impossível obedecer a LGPD sem um bom sistema de gestão de documentos e contratos. Não tem como respeitar essa lei utilizando o e-mail para mandar documento, existe o risco de infringir a privacidade e a confidencialidade”, alerta Marques.
Apesar de resolverem grandes problemas brasileiros, as lawtechs e legaltechs não estão entre os segmentos que mais chamam a atenção dos investidores no país. No processo de consolidação do ecossistema, o que mais se destaca são algumas rodadas recentes, como o aporte de R$ 32,5 milhões da Jusbrasil, em abril de 2021; e a captação de R$ 35 milhões da Docket, em fevereiro de 2020.

As startups não vão mudar a cara da Justiça nacional sozinhas, por isso, é necessário trazer outros players para esse processo de digitalização. Escritórios de advocacia, departamentos jurídicos de empresas e o setor público também devem implementar
tecnologia na rotina de atividades. De acordo com o levantamento “O impacto do Covid-19 nos escritórios de advocacia”, da AB2L, 22% dos escritórios ouvidos utilizavam soluções de Lawtechs e Legaltechs, em 2020. O destaque vai para as organizações com 51 a 100 funcionários, onde a porcentagem sobe para 34%. No Supremo Tribunal Federal (STF), já existe a inteligência artificial Victor, desenvolvida em parceria com a Universidade de Brasília (UnB), que ajuda a reduzir o acervo de processos da Corte. Sozinha, a tecnologia consegue dar uma solução para cerca de um oitavo dos recursos extraordinários que chegam ao foro. “A pandemia acelerou o processo de digitalização. O governo tem mais governança e visão do todo quando digitaliza os processos. Hoje, os dados são muito fragmentados, cada órgão trabalha com um padrão para emissão de documentos. Um dos entraves para ter crédito mais barato no Brasil é a falta de digitalização e visão dessas operações do mercado como um todo”, afirma o CEO da Docket. “Do lado das empresas, isso vem se acelerando cada vez mais. Um ponto que acabou fazendo diferença na pandemia é que, antigamente, para levar a tecnologia para as empresas era preciso ter muito contato presencial, o que tornava o processo mais demorado. Com a pandemia a adoção foi muito mais rápida”, completa. Ainda existem os escritórios que desenvolvem sua própria solução. Um exemplo é o Urbano Vitalino Advogados, que criou o braço de tecnologia Urbano Labs, que produz robôs, ferramentas de Machine Learning e uma rede neural. Ao ConJur, o sócio da empresa, Cristiano Sobral, explicou que o produto foi desenvolvido porque nenhuma tecnologia do mercado atendia as necessidades da companhia. “Criamos a nossa própria ferramenta e hoje é o software que mais usamos. Ele permite uma visão muito melhor dos processos dentro da dinâmica que nós construímos. Nesse cenário da pandemia, adotamos o home office imediatamente sem nenhuma dificuldade”, explica Sobral, ao ConJur.

É evidente que as soluções das Lawtechs têm o potencial de causar muito impacto na Justiça brasileira, mas ainda existe uma barreira cultural no mercado que dificulta a adoção de tecnologia. Um dos receios é que as máquinas tomem as vagas dos humanos. Outra questão é a falta de afinidade dos advogados com a tecnologia. Para a AB2L, a adoção de soluções tecnológicas no segmento é imprescindível em todos os setores. Entretanto, o mercado não evolui igualmente. Na visão de Capela, o segmento corporativo está mais avançado do que os escritórios de advocacia. “Na área corporativa há mais abertura até porque essas empresas pensam de forma mais enxuta e possuem uma área de TI. O mercado advocatício é muito fechado por várias questões como um excesso de mão de obra. Na justiça, eu vejo iniciativas muito legais de uso de tecnologia, mas ainda são isoladas. A tendência é que elas se tornem cada vez mais relevantes”, afirma a CEO da Koy.
As faculdades de Direito também devem participar dessa transformação do mercado. Para isso, é preciso formar advogados que saibam aplicar tecnologia nas atividades diárias. Por enquanto, o número de profissionais preparados para a transformação digital da área é baixo, na visão do Diretor Executivo da AB2L. Mas é preciso entender essa nova realidade para não acabar ficando para trás no mercado. “As faculdades estão formando técnicos, mas nesse período de transformação paradigmática que a gente tá vivendo, a técnica já não corresponde com a realidade concreta. É necessário resgatar os princípios do Direito, por isso, é preciso formar juristas. Essas são as pessoas que vão conseguir se adaptar mais rápido a essa mudança no mercado”, ressalta Marques.

A AB2L aponta 5 tendências do futuro da profissão jurídica:

● Inteligência artificial e robôs: Os robôs economizam o tempo do profissional do direito para que ele foque em atividades que exijam mais capacidade cognitiva.
● Profissionais mais conectados: Além de trabalhar com tecnologia, o profissional do futuro do meio jurídico deverá também ser muito mais conectado e qualificado em assuntos que envolvem esse avanço. Novos nichos de atuação estão surgindo dentro do direito: Blockchain, Criptomoedas, smart contracts, DPO, Privacidade de dados, Legal Design, LGPD, Regulação de Novas tecnologias, cientista de dados jurídicos, engenheiro jurídico e muito mais.
● Multidisciplinaridade e soft skills: Cada vez mais é importante ter domínio de outras áreas. Hoje, saber o básico de programação é essencial. Além de um conhecimento técnico sobre tecnologia, será necessário cada vez mais desenvolver soft skills como capacidade de liderança, trabalho em grupo e gerenciamento de projetos para quem deseja vencer neste concorrido mercado. Algumas áreas que também merecem atenção são ciências da computação, administração, negócios e economia.
● Lawtechs/Legaltechs em alta: As startups jurídicas cresceram 1300% em 3 anos. Já são mais de 250 empresas que oferecem soluções para o mundo do direito. As Lawtechs e Lagaltechs se apresentam com o diferencial de oferecer soluções personalizadas para os clientes que estavam acostumados com softwares que faziam serviços comuns.
● Blockchain e soluções digitais: A popularização das criptomoedas é um exemplo de que o mundo está cada vez mais preparado para uma vida que acontece no meio virtual. No segmento jurídico, o Blockchain veio para deixar os processos muito mais seguros, práticos e inteligentes. O uso de assinaturas digitais também mostra que é possível oferecer uma experiência segura e ainda ganhar tempo e poupar recursos. Ganham os escritórios, os profissionais e os clientes.

Texto original de Marina Hortélio, publicada no The Shift

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