Em junho de 2017, a Suprema Corte do Estado de Nova Jersey enfrentou um grande dilema. Na terra dos livres, coube ao referido órgão a árdua tarefa de decidir se metadados públicos armazenados eletronicamente seriam ou não sujeitos à divulgação.
O caso que chegou à Corte teve início em 2013, quando o americano John Paff solicitou, ao município de Galloway, em Nova Jersey, o histórico de e-mails trocados no período de duas semanas entre um funcionário do município e o chefe de polícia local. O ativista, que comumente solicita documentos públicos de relevância para postá-los na internet, requereu informações sobre o remetente, o destinatário, a data e o assunto das mensagens eletrônicas enviadas[1].
O pedido, contudo, foi negado liminarmente, sob o fundamento de que os e-mails não faziam parte do arquivo público, de modo que a solicitação feita, na verdade, demandava a criação de um novo arquivo, atividade que o município não era obrigado a realizar. A negativa, por conseguinte, levou Paff a ajuizar uma ação contra o município de Galloway e o respectivo funcionário responsável pelos arquivos públicos, requerendo a disponibilização das informações que foram rejeitadas.
Não obstante a decisão ter sido favorável em primeira instância, a Corte de Apelações indeferiu o pleito do autor. Na ótica deste tribunal, o Open Public Records Act (OPRA) – documento legal elaborado pelo estado de Nova Jersey para garantir aos seus cidadãos o acesso à documentos públicos – apenas abrangeria documentos que já estivessem em arquivos públicos. Nesse sentido, uma vez que os e-mails se encontravam tão somente armazenados eletronicamente, não integrando os arquivos públicos, o município não era obrigado e muito menos poderia ser compelido a fornecê-los.
Todavia, para a alegria de Paff e talvez de demais outros norte-americanos que possam se aproveitar do precedente, a Suprema Corte do Estado de Nova Jersey reformou o entendimento da Corte de Apelação e garantiu ao ativista o acesso às informações perseguidas[2]. O órgão superior enfatizou que o OPRA não considera arquivo público tão somente livros e documentos em papel, mas também informações armazenadas e mantidas eletronicamente. Assim sendo, não se estaria criando um novo arquivo público, conforme alegava o município, mas apenas divulgando aquilo que já existe[3].
A decisão da Suprema Corte de Nova Jersey foi, de fato, um grande avanço para os ativistas e entusiastas do OPRA, que vem sendo utilizado para garantir o acesso à informação e o fortalecimento de uma democracia que preza pelos valores de transparência. No entanto, os norte-americanos ainda estão longe de esgotar os embates sobre o tema, ao passo que Suprema Corte dos Estados Unidos se debruça sobre outro caso, talvez de maior relevo, envolvendo outrossim questão relativa à metadados.
Trata-se do caso Carpenter v. United States, a ser julgado pela Suprema Corte Americana e já noticiado previamente no LEX MACHINÆ[4], em que o americano Timothy Carpenter foi condenado à 116 anos de prisão após sua operadora de telefonia ter fornecido dados de sua localização que apontaram seu envolvimento em uma série de assaltos a mão armada. A defesa argumenta que os promotores não utilizaram mandado judicial para acessar as informações do acusado e, portanto, violaram a Quarta Emenda da Constituição Americana, que, por sua vez, impede buscas e apreensões irrazoáveis.
Incumbe, portanto, à Suprema Corte dos Estados Unidos a difícil tarefa de decidir se a proteção da Quarta Emenda abarca ou não a privacidade de dados de localização obtidos pela companhia telefônica. O resultado é incerto, mas, pelas últimas decisões da Corte Suprema, pode-se estimar um resultado positivo para Carpenter, tendo em vista o viés protetivo à privacidade ultimamente adotado pelo órgão. Foi o que ocorreu, por exemplo, no caso United States v. Jones, em que a Corte reconheceu a imperiosidade de mandado para a instalação de dispositivo GPS num automóvel com o intuito de rastrear um suspeito[5].
De todo modo, é interessante observar o avanço que o Poder Judiciário americano traça no campo da tecnologia. Ao mesmo tempo em que permite a divulgação de metadados públicos e eletrônicos, sob a premissa do acesso à informação e do dever de transparência, garante o direito à privacidade ao inadmitir a violação de dados sem um mandado judicial.
[1]SULLIVAN, S.P.; N.J. Supreme Court case could reshape what government information you get to see. True Jersey. Disponível em: http://www.nj.com/politics/index.ssf/2017/03/nj_supreme_court_ruling_could_reshape_what_governm.html– Acessado em 18 de dez. de 2017.
[2] COOK, Jay. Government Transparency Reinforced by OPRA Decision. Two River Times. Disponível em: http://tworivertimes.com/government-transparency-reinforced-by-opra-decision/ – Acessado em 18 de dez. de 2017.
[3] JENNER & BLOCK LLP. John Paff v. Galloway Township. Jenner. Disponível em:https://jenner.com/system/assets/assets/10368/original/Paff%20v.%20Galloway.pdf – Acesso em 18 de dez. de 2017.
[4] BECKER, Daniel; MOTA, Kizzy. Every breath you take: Vigilância e Privacidade na pauta da Suprema Corte Americana. LEX MACHINÆ. Disponível em: http://www.lexmachinae.com/2017/10/23/every-breath-you-take-vigilancia-e-privacidade-de-metadados-na-pauta-da-suprema-corte-americana/ – Acesso em 18 de dez. de 2017.
[5]HARPER, Jim. Supreme Court can Strike a Victory for Privacy in Carpenter v. United States.Competitive Enterprise Institute. Disponível em: https://cei.org/blog/supreme-court-can-strike-victory-privacy-carpenter-v-united-states – Acessado em 18 de dez. de 2017.
Por Daniel Becker e João Aranha