A AB2L iniciou suas atividades em 2017 e, desde então, escreve os capítulos de uma história que tem muito para contar sobre o ecossistema de tecnologia jurídica.
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As relações de consumo são parte integrante do processo de escalada da judicialização de conflitos no Brasil, uma realidade que provoca efeitos desastrosos para a aplicação efetiva da lei, para o funcionamento do sistema de Justiça, para o ambiente econômico e, o que é pior, para o próprio consumidor.
As causas que podem ser apontadas para esse cenário de judicialização exagerada são: a) falta de coordenação entre os mais de 900 órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) –que inclui a Senacon, Procons municipais e estaduais, defensorias públicas, Ministério Público e organizações civis; b) pouca efetividade do Banco Central (para o setor bancário) e das agências reguladoras (cada uma em seu respectivo setor) na defesa do consumidor; c) falta de precedentes claros do próprio Poder Judiciário; d) algum grau de litigância estratégica ou mesmo predatória promovida por agentes econômicos e mesmo por uma minoria de escritórios de advocacia.
A alta insatisfação dos cidadãos para com a atividade reguladora do Estado e a busca pela Justiça tem fundamento na realidade. A divisão de tarefas entre esse grande número de órgãos, sem a existência de limites claros para cada um nem de hierarquia entre eles, faz com que sejam tomadas medidas pouco eficientes para assegurar as relações de consumo e a defesa das garantias do consumidor, definidas no artigo 4.º do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
O resultado é desastroso. Cada processo movido na Justiça custa ao erário cerca de R$ 2 mil ao ano, segundo a literatura especializada. O CNJ informa que correm nos tribunais brasileiros mais de 80 milhões de processos. Cada ação judicial demora de 3 a 4 anos para ter uma decisão definitiva nos Juizados Especiais e de 4 a 5 anos na Justiça comum. A última fase, de execução da sentença, demora em média 7 anos. É só fazer a conta. O Poder Judiciário custa ao contribuinte brasileiro cerca de R$ 85 bilhões de reais, ou seja, mais do que o orçamento da grande maioria de municípios e mesmo de alguns Estados brasileiros. Tudo isso sem que os direitos do consumidor pareçam suficientemente respeitados espontaneamente.
O Brasil precisa que o SNDC e que as instituições reguladoras bastem para assegurar o correto funcionamento do mercado e que o Judiciário seja temido e acionado apenas em último caso. Isso só poderá ser feito com um SNDC forte e coordenado e que esteja integrado às agências reguladoras; e também que soluções ainda incomuns em direito do consumidor sejam mais explorados, como os métodos alternativos (ou mais corretamente adequados) de solução de disputas – como mediação e arbitragem – e mesmo convenções coletivas (previstas no artigo 107 do CDC).
A aposta em tutelas coletivas e sua efetiva vinculação aos juízes e aos agentes econômicos é um caminho a ser aprofundado. Finalmente a tecnologia deve ser incorporada ao direito do consumidor. Com efeito, são muitas as possibilidades de solução extrajudicial de conflitos trazidas pela internet e pela “economia 4.0”. Ilustram isso as plataformas digitais de negociação, mediação e até mesmo de arbitragem para disputas coletivas, como já ocorre em diversos países. O próprio governo, por meio da ferramenta consumidor.gov.br, disponibiliza um meio seguro e eficaz para os cidadãos e empresas resolverem de forma ágil suas questões.
Por fim, é hora, dentro de certos consensos, de estabelecermos a política nacional de defesa da livre concorrência e do consumidor, prevista no CDC, para que as empresas saibam que não vale a pena descumprir a lei, mas que tenham segurança jurídica e previsibilidade para empreender, distribuir empregos e contribuir com impostos que poderão ser gastos com educação. Com políticas públicas eficientes, é possível produzir um ambiente de desestímulo ao descumprimento da lei e no qual apenas casos residuais cheguem ao Judiciário.
Esse o raciocínio que tem orientado os trabalhos da Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e que foi apresentado a todo SNDC na última semana, durante o seu vigésimo Encontro Nacional em Brasília. Ainda terão outros três encontros mas o primeiro passo para chegarmos onde o consumidor brasileiro espera já foi dado!
*Luciano Benetti Timm, professor da FGV e da Unisinos, é doutor em direito e atual secretário nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública
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