“Na luta entre você e o mundo, fique com o mundo.” (Franz Kafka)
No ano passado, a mídia especializada mostrou grande alvoroço ao noticiar a primeira contratação de ROSS, o “robô advogado”, pela banca de advocacia nova-iorquina Baker & Hostetler[1]. A notícia levou o público, sobretudo os advogados ao redor do globo, a cogitar que a advocacia estaria prestes a sofrer mudanças decisivas – talvez as maiores desde o seu surgimento. As impressões da classe sobre o ROSS variaram desde a expectativa de um inevitável desemprego em massa até a necessidade de uma completa repaginação dos cursos de Direito.
Para que se possa compreender melhor o que é esse (possível) exterminador de advogados, é preciso que se entenda como funciona a tecnologia de ponta que está por trás dele: o computador cognitivo Watson, desenvolvido pela poderosa IBM. O sistema ficou mundialmente famoso no ano de 2011, quando derrotou diversos competidores humanos no Jeopardy!, programa de TV americano de perguntas e respostas[2], replicando os questionamentos em menos de três segundos.
O principal atributo que diferencia o Watson dos demais computadores é sua capacidade de trabalhar diretamente com a linguagem humana, dispensando assim que seu “interlocutor” tenha conhecimentos de programação. Além disso, o Watson executa o DeepQA, uma arquitetura probabilística extremamente veloz e precisa, que possibilita que, após a “compreensão” da pergunta formulada em linguagem natural, o computador identifique fontes pertinentes e gere hipóteses capazes solucionar a questão apresentada.
Após seu incrível sucesso no Jeopardy!, o Watson passou a ser utilizado em diversas atividades produtivas, dos mais diversos setores da economia[3]. Embora o desafio tenha se tornado muito maior – uma vez que as questões surgidas no âmbito corporativo são, via de regra, bem mais complexas que simples perguntas de conhecimento geral apresentadas no Jeopardy! –, nem por isso as habilidades do supercomputador deixaram de ser úteis: nas palavras do general manager do Watson, David Kenny, “o Watson não dará respostas, mas ajudará a formular as questões certas para que os humanos encontrem melhores soluções”[4]. Foi nesse contexto que surgiu ROSS, o gêmeo advogado do Watson.
Nos anos de 2014 e 2015, quatro alunos da Universidade de Toronto, Jimoh Ovbiagele, Pargles Wenz Dall’Oglio, Akash Venkat e Andrew Arruda, participaram de um desafio em Nova Iorque, conhecido como IBM Watson University Challenge, envolvendo outras nove instituições de ensino[5]. Os estudantes da Universidade de Toronto focaram em treinar os algoritmos do Watson a ler e entender textos jurídicos. O time composto pelo quarteto de universitários – que foi batizado como ROSS – se sagrou vencedor no âmbito da universidade canadense e ficou no segundo lugar geral do desafio da IBM.
Em apenas 10 meses, os fundadores do ROSS uniram forças com o Y Combinator, fundo responsável por capitalizar diversas startups de sucesso, tais como o Airbnb e o Dropbox. Na sequência, a ROSS Intelligence firmou parceria com a Nextlaw Labs, uma subsidiária focada em tecnologia do maior escritório de advocacia do mundo, o Dentons. Atualmente, cerca de catorze escritórios americanos de ponta contam com o robô advogado desenvolvido pela empresa[6].
Atualmente, a maior parte das pesquisas jurídicas, sejam elas legais ou jurisprudenciais são realizadas através do engenhoso, porém limitado sistema booleano[7]. Aproveitando as habilidades do Watson, a “fórmula da Coca-Cola” que permitirá à ROSS Intelligence revolucionar esse sistema é viabilizar que os usuários advogados façam perguntas em linguagem simples e o sistema, através de uma estrutura de cognição jurídica protegida por propriedade intelectual, seja capaz de responder com rapidez e acurácia sobre-humanas[8].
O ROSS foi alimentado com um material significativo de textos legais, bem como treinado sobre taxonomia e conceitos jurídicos através de uma Interface de Programação de Aplicativos – API da IBM[9]. Para formular a melhor resposta para a pergunta, o sistema lê milhares e milhares de artigos, legislações e decisões. Além disso, devido ao fato de o ROSS ser uma plataforma de computação cognitiva, ele aprende com perguntas e respostas anteriores, se tornando cada vez mais certeiro ao dar suas “consultorias” aos advogados usuários[10]. Para finalizar, o sistema ainda monitora as novidades na jurisprudência e na produção legislativa[11].
Atualmente, o ROSS só atua no direito americano e especificamente nas áreas de falência e propriedade intelectual. Portanto, ainda é muito cedo para fazer previsões concretas sobre a introdução da inteligência artificial do ROSS no dia a dia dos escritórios de advocacia como um todo, sobretudo no Brasil, e se ela vai ser responsável por eliminar os advogados humanos; contudo, é importante que a ideia da máquina, no que diz respeito à realização do trabalho de estagiários, paralegais e advogados júnior, seja encarada como realidade, e não mais como ficção científica.
O ROSS pode bem representar o início da concretização de uma das profecias do estudo The Future of Employment, o qual previu, através de um sistema computacional, que assistentes jurídicos correm alto risco de desaparecer do mercado de trabalho americano nos próximos vinte anos[12].
Da mesma forma, com o passar do tempo, os escritórios de advocacia que não aderirem a tecnologias iguais ou semelhantes ao ROSS ficarão obsoletos[13], e não poderão mais concorrer em pé de igualdade no mercado. A uma, porque o ROSS é capaz de peneirar bilhões de documentos em formato de texto em um mísero segundo, botando para trás exércitos inteiros de advogados qualificados[14]. A duas, porque artifícios como o ROSS proporcionarão drástica redução de custos[15], sobretudo com pesquisas jurídicas, o que, por óbvio, é um fator competitivo determinante[16]. De todo modo, a questão deixa de ser “se a inteligência artificial fará parte do dia a dia da advocacia” para tornar-se “como a inteligência artificial fará parte do dia a dia da advocacia“. Então, na dúvida, é melhor contratar o ROSS.
[1] OZORIO DE MELO, João. Escritório de advocacia estreia primeiro “robô-advogado” nos EUA. Consultor Jurídico. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-mai-16/escritorio-advocacia-estreia-primeiro-robo-advogado-eua – Acesso em 04 de jun. 2017.
[2] GREGO, Maurício. Watson, o fascinante computador da IBM que venceu os humanos. Revista Exame. Disponível em:
http://exame.abril.com.br/tecnologia/watson-o-fascinante-computador-da-ibm-que-venceu-os-humanos/ – Acesso em 08 de maio de 2017.
[3] IBM. Watson – Um sistema projetado para respostas: o futuro do design de sistemas otimizados para carga de trabalho. IBM Systems and Technology. Disponível em: ftp://public.dhe.ibm.com/la/documents/br/systems/power/watson_pt.pdf – Acesso em 08 de maio de 2017.
[4] DREHER, Felipe. No Brasil, líder do IBM Watson traça rumos da computação cognitiva. Computer World. Disponível em: http://computerworld.com.br/no-brasil-lider-do-ibm-watson-traca-rumos-da-computacao-cognitiva – Acesso em 09 de maio de 2017.
[5] UNIVERSITY OF TORONTO. Startup ROSS Intelligence signs with Dentons, world’s largest law firm. Disponível em: http://web.cs.toronto.edu/news/current/Startup_ROSS_Intelligence_signs_with_Dentons__world_s_largest_law_firm.htm – Acesso em 09 de jun. de 2017.
[6] ROSS Intelligence. Do more than humanly possible. Disponível em: http://www.rossintelligence.com/ – Acesso em 05 de jun. de 2017.
[7] WIKIPEDIA. Booleano. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Booleano – Acesso em 05 de jun. de 2017.
[8] UNIVERSITY OF TORONTO. AI success story: U of T’s ROSS Intelligence returns to Toronto to open new research headquarters. Disponível em: https://www.utoronto.ca/news/ai-success-story-u-t-s-ross-intelligence-returns-toronto-open-new-research-headquarters – Acesso em 09 de jun. de 2017.
[9] O FUTURO DAS COISAS. Advogados poderão economizar tempo usando programa inteligente. O Futuro das Coisas. Disponível em: http://ofuturodascoisas.com/advogados-poderao-economizar-tempo-usando-programa-inteligente/ – Acesso em 09 de jun. de 2017
[10] KRASNIANSKY, Adriana. Meet Ross, the IBM Watson-Powered Lawyer. PSFK. Disponível em: https://www.psfk.com/2015/01/ross-ibm-watson-powered-lawyer-legal-research.html – Acesso em 09 de jun. de 2017.
[11] LIBERATORE, Stacy. Your AI lawyer will see you now: IBM’s ROSS becomes world’s first artificially intelligent attorney. Daily Mail. Disponível em: http://www.dailymail.co.uk/sciencetech/article-3589795/Your-AI-lawyer-IBM-s-ROSS-world-s-artificially-intelligent-attorney.html – Acesso em 03 de jun. de 2017.
[12] FREY, Carl Benedikt; OSBORNE, Michael A. The future of employment: how susceptible are jobs to computerization? Disponível em: http://www.oxfordmartin.ox.ac.uk/downloads/academic/The_Future_of_Employment.pdf– Acesso em 10 de jun. 2017.
[13] COHEN, Mark. A. Are Law Firms Becoming Obsolete? Business. Forbes. https://www.forbes.com/sites/markcohen1/2017/06/12/are-law-firms-becoming-obsolete/#7d887a4c2264 – Acesso em 28 de jun. 2017.
[14] GENTILE, Fabio da Rocha. Advocacia artificial, meu caro Watson? JOTA. Disponível em: https://jota.info/artigos/advocacia-artificial-meu-caro-watson-01042017 – Acesso em 28 de jun. 2017.
[15] NEIL, Martha. Susskind: Are Lawyers Becoming Obsolete? ABA Journal. Disponível em: http://www.abajournal.com/news/article/susskind_are_lawyers_becoming_obselete – Acesso 28 de jun. 2017.
[16] LAW 360. How Research Efficiency Impacts Law Firm Profitability. Expert Analysis Law 360. Disponível em: https://www.law360.com/articles/575667/how-research-efficiency-impacts-law-firm-profitability – Acesso em 28 de jun. 2017.