
A AB2L iniciou suas atividades em 2017 e, desde então, escreve os capítulos de uma história que tem muito para contar sobre o ecossistema de tecnologia jurídica.
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A expressão “inteligência artificial” talvez seja um dos equívocos semânticos mais emblemáticos do nosso tempo. Ao utilizarmos o termo “artificial”, parece que nos referimos a uma entidade autônoma, dotada de pensamento próprio e capacidade decisória desvinculada da mente humana. No entanto, a realidade é mais sutil e reveladora. O que chamamos de inteligência artificial é, na essência, uma inteligência ampliativa. Não substitui o pensamento humano, apenas potencializa aquilo que já existe em quem a opera.
Se o usuário for negligente, desinformado ou antiético, a IA amplificará seus equívocos. Se for ético, criativo, estratégico e intelectualmente preparado, ela multiplicará suas virtudes. Essa constatação impõe um reposicionamento radical: o valor da IA está diretamente relacionado ao nível de consciência, preparo e discernimento de quem a utiliza.
Esse entendimento nos obriga a olhar com honestidade para um desafio estrutural. Para que a inteligência artificial seja usada com relevância e responsabilidade, é necessário dominar a linguagem, o raciocínio, a lógica e a capacidade de discernimento. Ou seja, exige-se um alto nível de letramento funcional, pensamento crítico e abstração. Em um país como o Brasil, marcado por desigualdades educacionais profundas e altos índices de analfabetismo funcional, essa exigência se transforma em um obstáculo real, que não pode ser ignorado. Falar em inteligência artificial sem discutir educação é negligenciar a base essencial da transformação social.
No campo jurídico, os impactos da IA já são visíveis e, em muitos aspectos, transformadores. Softwares inteligentes realizam em minutos o que antes tomava dias. Pesquisa jurisprudencial, análise contratual, síntese de peças, revisão textual, predição estatística de decisões. Esse salto de eficiência devolve ao advogado o bem mais precioso: o tempo. E diante desse ganho de tempo, uma pergunta fundamental emerge: o que realmente importa?
A resposta está justamente naquilo que sempre foi essencial na advocacia. A escuta ativa, a construção de confiança, a sensibilidade estratégica, a conexão humana. A advocacia está deixando de ser apenas operacional para tornar-se relacional. O advogado do futuro, já sendo forjado no presente, será menos executor de tarefas e mais conselheiro estratégico. Alguém capaz de gerir interesses, traduzir complexidades, antecipar necessidades e agir com visão integrada.
Esse novo profissional do Direito precisará compreender o cliente em sua totalidade, não apenas sob o aspecto jurídico, mas também humano, emocional, cultural, empresarial e até existencial. Precisará captar o que não foi dito, perceber o que ainda não foi formulado e interpretar o invisível que permeia o visível. E mais do que isso, será também um conector de inteligências e propósitos. Num mundo interdependente, não basta ser especialista. É preciso articular redes, integrar saberes e reunir talentos ao redor de causas e desafios comuns.
A advocacia de relacionamento emerge, assim, como um novo paradigma. O Direito deixa de ser uma prática isolada para se tornar parte de uma ecologia viva de soluções colaborativas. O advogado se torna um elo entre mundos, um articulador de possibilidades, um catalisador de transformações.
É preciso, no entanto, reconhecer os limites da tecnologia. A inteligência artificial também erra. E seus erros podem ser sutis, mas graves. O fenômeno conhecido como alucinação algorítmica ocorre quando o sistema produz informações falsas com aparência de verdade. Prabhakar Raghavan, vice-presidente sênior do Google, advertiu sobre esse risco ainda em 2023, ao afirmar que as ferramentas de IA podem oferecer respostas convincentes, porém completamente inventadas. 1
No campo jurídico, isso pode significar citações inexistentes, raciocínios falhos, fundamentos sem base normativa ou lógica. Por isso, o papel do advogado permanece essencial. Ele será cada vez mais um curador do sentido, guardião da integridade argumentativa, revisor da verdade jurídica. A máquina pode sugerir, mas apenas o humano pode decidir com consciência, ética e responsabilidade.
Estamos diante de uma mudança de época. A inteligência artificial assumirá as funções repetitivas e mecânicas. Aos humanos, caberá a criação autêntica e o relacionamento genuíno. Segundo o “Relatório Impacto da IA Generativa no Direito”, publicado pela OAB-SP em parceria com Jusbrasil, Trybe e o Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio2 , divulgado em fevereiro de 2025, mais de cinquenta e cinco por cento dos advogados brasileiros já utilizam algum recurso de IA em sua rotina.
O futuro não é uma promessa distante. Ele já começou. E exige de nós uma nova mentalidade. A advocacia do futuro será feita por quem entende de pessoas, se conecta com inteligência, atua com consciência e pensa com profundidade. Com o apoio da tecnologia, esse novo advogado não apenas entregará mais resultados, mas será capaz de oferecer também mais presença, mais valor e, acima de tudo, mais humanidade.
1 Executivo do Google alerta para “alucinação” da IA; entenda. UOL, 13 fev. 2023. Inteligência artificial. Disponível em: https://www.uol.com.br/tilt/noticias/reuters/2023/02/13/executivo-do-
google-faz-alerta-sobre-problemas-da-inteligencia-artificial.htm. Acesso em: 08 mai. 2025.
2 OAB-SP, Trybe, Jusbrasil e ITS-Rio. Impacto da IA Generativa no Direito. São Paulo 2025. Disponível em https://betrybe.com/inteligencia-artificial/relatorio-impacto-ia-no-
direito?utm_medium=referral&utm_source=jota&utm_campaign=jota-exclusiva. Acesso em 08
mai. 2025.
Antonio Carlos de Freitas Jr. é Associado à AB2L, bacharel, mestre e doutor em Direito Constitucional pela USP, sócio-fundador do escritório A.C. Freitas Advogados, Diretor da Comissão dos Novos Advogados (CNA) do IASP e professor da Fundação Santo André.
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