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No dia 20 de outubro de 2020, o Poder Executivo apresentou Projeto de Lei Complementar que visa instituir “o marco legal das startups e do empreendedorismo inovador” e passou a tramitar na Câmara dos Deputados sob o n° 249/2020 (PLP 249).
Já tramitava na Câmara o Projeto de Lei Complementar n° 146/2019 (PLP 146), que trata do mesmo tema e foi proposto por parlamentares. De agora em diante, os referidos projetos de lei tramitarão apensados.
Não obstante exista divergência sobre a definição dos critérios para caracterização do que vem a ser uma “start-up”, ambas propostas buscam, ao fim e ao cabo, simplificar e reduzir os custos de observância das normas vigentes para as start-ups, bem como fomentar o investimento em tais entidades, tanto por meio de incentivos, quanto pela conferência maior segurança jurídica aos investidores que se propõem a nelas aportar recursos.
São diversos os mecanismos constantes dos projetos de lei para atingir tais finalidades, podendo-se citar como exemplo a canalização de recursos destinados ao fomento à pesquisa, desenvolvimento e inovação para aplicação em start-ups; a possibilidade de criação de ambientes regulatórios experimentais (sandbox regulatório) por órgãos da Administração Pública; regime especial de licitação para contratação de soluções inovadoras pelo Poder Público; flexibilização de determinadas normas trabalhistas e criação de um regime especial para as start-ups que se organizarem sob a forma de sociedade anônima. Não faltará assunto para os debates em torno dos projetos de lei.
Especificamente no que diz respeito aos instrumentos de investimento em start-ups, a redação proposta para o art. 4° do PLP 249 estabelece que as start-ups “poderão admitir aporte de capital […] que não integrará o capital social da empresa” e lista determinados instrumentos que poderão ser empregados para essa finalidade, dentre eles, a “estruturação de sociedade em conta de participação entre o investidor e a empresa”.
Embora não faça referência específica a aportes por “investidor-anjo” (disciplinado no art. 61-A da Lei Complementar n° 123/2006), o mencionado art. 4° deixa aberta a possibilidade de utilização de “outros instrumentos de aporte de capital em que o investidor […] não integre o capital social da empresa”.
Na teoria, tanto as sociedades em conta de participação (SCP) quanto os contratos de “investimento-anjo” são instrumentos perfeitamente hábeis para desempenhar o papel aos quais se destinam: servir de veículo para a realização de investimento de forma prática, ágil, flexível, sem grande burocracia e com substancial grau de segurança para investidor em relação a possível responsabilização pessoal por eventuais contingências da start-up.
Na prática, porém, a orientação institucional arrecadatória do fisco acabou retirando a atratividade de tais veículos de investimento. No caso do “investimento-anjo”, quase que o relegando a instituto jurídico presente apenas na letra fria da lei e em exemplos teóricos de sala de aula nos cursos de Direito.
Explica-se: o investimento realizado por investidor-anjo – introduzido por modificação na Lei Complementar n° 123/2006 em 2016 – foi projetado para funcionar como uma “quase participação societária”, de modo a proporcionar ao investidor a possibilidade de participar da partilha dos resultados da sociedade investida, sem, contudo, integrar o quadro de sócios. A justificativa desse arranjo é muito simples: conferir um mínimo de segurança jurídica àquele investidor que já arrisca seu capital para financiar empresa inovadora, buscando afastá-lo dos riscos de responsabilização solidária, subsidiária e decorrente de desconsideração da personalidade jurídica relativas a contingências da sociedade investida.
No entanto, a Receita Federal do Brasil jogou uma pá de cal sobre a figura do investidor-anjo ao editar a Instrução Normativa n° 1719/2017, que determina que rendimentos decorrentes dos aportes de capital por investidor-anjo devem ser tributados pela tabela progressiva (22,5% a 15%, a depender do prazo de manutenção do investimento), enquanto todo o ecossistema das start-ups e o mercado enxergavam tais rendimentos como isentos e não tributáveis, a exemplo dos lucros distribuídos por sociedade a seus sócios.
Com isso, parte relevante dos incentivos para realização de investimentos nessa modalidade deixou de existir.
Já no caso das SCPs, apesar de o art. 991 do Código Civil fixar a regra de que “a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade” e o art. 993 logo na sequência ser explícito ao dispor que “o contrato social produz efeito somente entre os sócios, e a eventual inscrição de seu instrumento em qualquer registro não confere personalidade jurídica à sociedade”, o Decreto-lei n° 2.303/1986 estabelece que tais sociedades se equiparam a pessoas jurídicas para os efeitos da legislação do imposto de renda.
Após oscilação de entendimento sobre o tema, desde 2014 a Receita Federal exige a inscrição das SCPs no cadastro nacional das pessoas jurídicas (obrigando tal ente despersonalizado a possuir um CNPJ, num inequívoco contrassenso), bem como a apuração de resultados e o recolhimento dos tributos incidentes como se pessoa jurídica fosse (ignorando que a atividade objeto da SCP é exercida em nome próprio pelo sócio ostensivo).
Com efeito, o frenesi arrecadatório do Fisco tem resultado em interpretação absolutamente equivocada da estrutura de tais institutos jurídicos, distanciando-os da função para a qual foram criados.
Nesse contexto, impõe-se que tais incongruências sejam urgentemente sanadas por meio de lei. Espera-se que o legislativo aproveite a oportunidade criada pelos PLPs 146 e 249 e enderece soluções adequadas para que a SCP e o investimento-anjo voltem a cumprir os papeis aos quais se destinam, sob pena de termos um marco legal para as start-ups mas, na prática, não dispormos, de dois importantes veículos para captação de investimentos por tais entidades.
Autor: CARLOS MARTINS NETO – Doutorando e mestre em Direito de Empresa e Atividades Econômicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Advogado, sócio de Moreira Menezes, Martins Advogados.
Fonte: JOTA
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