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Sandbox regulatório nas agências reguladoras

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Imagine um ambiente criado, controlado e supervisionado por uma autoridade reguladora. Neste espaço de caráter puramente experimental, as empresas seriam autorizadas a exercer suas atividades disruptivas e inovadoras ainda não reguladas, respeitando certas regras como limite de consumidores, controle de quantidade na oferta e até mesmo o período em que o produto ou serviço poderia ser oferecido. Para o mundo jurídico, essa é a definição de “Sandbox regulatório”.

Em tradução livre do inglês, “Sandbox” significa caixa de areia. Trata-se de uma alusão a espaços comumente encontrados em parques ou centros recreativos nos quais as crianças experimentam uma espécie de liberdade supervisionada, com segurança e responsabilidade. O termo passou a ser frequente em startups de tecnologia, sobretudo àqueles inseridos no meio da programação. Profissionais de TI criam um ambiente isolado, totalmente seguro e independente, com a finalidade de testar determinadas aplicações sem que haja qualquer interferência nos demais programas que já funcionam no sistema. Concebe-se, nesses termos, um ambiente controlado e seguro para que se realize todos os testes e se observe a desenvoltura de um determinado aplicativo.

O termo foi importado para o universo jurídico em um contexto de crescente e incessante desenvolvimento tecnológico que desafia uma regulação capaz de conferir segurança à sociedade sem, contudo, servir de entrave à inovação.

A disrupção dos aplicativos de entregas, de mobilidade urbana e de aluguel por temporada ensinou à sociedade, na prática, que a lei sempre virá na retaguarda daquilo que é considerado novo. E não poderia ser diferente, pois o processo legislativo e regulatório demandam forte articulação política, além de exaustiva discussão com os agentes que atuam em cada segmento de mercado.

Diante de tal cenário, o Sandbox se revela como um caminho promissor para se lidar com a inovação. Enquanto se rascunham as regras de ouro sobre determinada atividade, não se proíbe o seu exercício. É a forma mais segura de liberar certas práticas ou serviços ligados à inovação, permitindo que a sociedade se desenvolva, que a economia se reinvente e que a tecnologia seja aperfeiçoada sem impactos na agilidade inerente a esse processo.

A flexibilização de requisitos regulatórios por um período de tempo para que empresas testem novos modelos de negócio junto a um número limitado de consumidores não só incentiva o mercado. Estimula a criação de uma regulamentação inteligente e ainda possibilita a proteção e a defesa dos direitos dos consumidores. Ouvi-los enquanto utilizam produtos e serviços em desenvolvimento evita a criação de normas ineficazes ou que não foram baseadas em uma experimentação verdadeiramente empírica, dando mais destaque e espaço para grandes mudanças disruptivas.

Naturalmente, essa nova forma de fiscalização temporária somente poderia funcionar se fosse construída em cima do princípio fundamental e basilar da transparência.

Se a finalidade do Sandbox regulatório é possibilitar a criação de uma norma reguladora efetiva e compatível com a realidade, os resultados obtidos com o monitoramento devem ser disponibilizados ao órgão responsável para a avaliação dos riscos. Orientações personalizadas sobre como as empresas podem se portar à luz da regulação atual também podem fazer parte desse modelo diferenciado de fiscalização.

O Banco Central do Brasil – BACEN[1] já iniciou seu primeiro ciclo no que se refere a essa novidade. Em 2019, a autarquia federal divulgou proposta de atos normativos dispondo sobre o Ambiente Controlado de Testes para Inovações Financeiras e de Pagamento. A Superintendência de Seguros Privados – SUSEP[2], órgão federal responsável pela autorização, controle e fiscalização dos mercados de seguros no Brasil, também iniciou em março deste ano um edital com as normas para a seleção do Sandbox Regulatório, projeto de inovação para o setor de seguros do País, que promete estimular o desenvolvimento de produtos e serviços que possam ser comercializados em escala e que estejam prontos para entrar no mercado.

Mais recentemente, a Comissão de Valores Mobiliários – CVM[3] regulamentou a constituição e o funcionamento do Sandbox. A Instrução CVM 626 possibilita que entidades testem modelos de negócio inovadores em atividades regulamentadas pela CVM. O participante admitido receberá autorização temporária para desenvolver a atividade inovadora, recebendo dispensas de certos requisitos regulatórios. A CVM calcula, dentre outros benefícios, que o modelo poderá fomentar a inovação no mercado de capitais, aumentar a segurança jurídica em novas atividades, diminuir o custo e o tempo de maturação para desenvolver produtos, serviços e modelos de negócio inovadores.

E as demais agências reguladoras? O modelo parece ainda não estar sendo implementado em outros setores regulados. Há, contudo, bastante espaço para tanto. A Anatel, por exemplo, poderia se valer do Sandbox para implementar o 5G no Brasil. Do mesmo modo, a ANTT poderia estudar a utilização da ferramenta para um monitoramento mais acurado de estradas e rodovias, testando soluções de mobilidade no transporte de pessoas e mercadorias. A ANA, Agência Nacional de Águas, também pode encontrar na aprovação recente [4] do marco legal do saneamento básico uma oportunidade para utilizar o Sandbox e estudar ideias viáveis para que nenhum brasileiro deixe de ter água tratada em pleno século XXI.

Como aplicar o Sandbox em questões sensíveis, como o meio ambiente ou algo que envolva riscos à saúde? Como seria a relação nos casos de danos considerados irreversíveis? É um tema complexo, e justamente por isso merece ser debatido. A oportunidade gerada pelo Sandbox regulatório é única. A possibilidade que as agências reguladoras possuem de fomentar novas iniciativas e de prover uma regulação eficiente é um grande diferencial para uma sociedade em constante transformação. O estímulo a uma regulamentação colaborativa nos aproxima da ideia de um Estado inclusivo, participativo, que busca entender como um setor funciona ao passo em que protege os cidadãos de possíveis abusos, melhorando a vida das pessoas e das empresas certamente para melhor.

Publicado originalmente no JOTA

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