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Promovendo a integridade online: de dados abertos a dados interpretados

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Apps são uma contribuição para a luta contra a corrupção, mas não uma bala de prata

A luta contra a corrupção é um tema recorrente na história brasileira. Apesar dos incontestáveis avanços recentes do judiciário nessa área, revelando antigos esquemas multimilionários e condenando os culpados, em 2018 o Brasil piorou sua posição no Índice de Percepção da Corrupção. Portanto, apenas agir repressivamente ao lidar com o problema se mostrou insuficiente. Reprimir atos de corrupção sempre será uma necessidade legal e institucional, porque sempre haverá aqueles que escolherão um caminho ilegal. No entanto, atuando apenas após o desvio dos recursos públicos, o gestor público é impedido de transformar imediatamente esses valores em ativos para os cidadãos, e uma investigação longa e incerta que pode ou não se transformar em um processo legal igualmente longo e incerto é exigida.

Deve, portanto, também haver um foco na prevenção de atos de corrupção. O estudo acerca do uso de aplicativos de internet (apps) para aumentar a transparência e a accountability tem a intenção de contribuir para o debate visando à prevenção de atos corrupção e, consequentemente, pode ajudar a evitar a ocorrência de danos ao patrimônio público e reduzir a demanda por ações repressivas. Deve ser notado que apps são programas de computador que podem ser executados em navegadores da web, em dispositivos móveis, ou em ambos.

O que a internet adiciona ao jogo? Como apps podem ser usados para tal finalidade? Além disso, são ferramentas eficazes que podem ajudar a prevenir a corrupção? A internet democratiza o acesso à informação, permitindo que os dados fluam mais, mais rápido e mais barato. Ele mudou drasticamente a forma de armazenamento, pesquisa, aquisição e distribuição de informações em todo o mundo.

No Brasil, o direito à informação é assegurado, entre outros, no artigo 5º, incisos XIV e XXXIII, da Constituição da República, que garante a todos o acesso à informação, protege a confidencialidade da fonte quando necessária ao exercício profissional, garante a todos o direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou informações de interesse coletivo ou geral (exceto aquelas cujo sigilo é indispensável à segurança da sociedade e do Estado) e estabelece a obrigação de os funcionários públicos fornecerem tais informações.

Em 2011, foi publicada a Lei de Acesso à Informação (Lei Ordinária 12.527/2011). Ela regulamenta o cumprimento desse dever pelo governo e, entre outras obrigações, no artigo 8º, caput, cumulado com o parágrafo 2º do mesmo artigo, estabelece a responsabilidade dos órgãos e entidades públicas de promover a divulgação de informações de interesse coletivo ou geral que eles produzem ou custodiam em sites oficiais na internet. A lei também estabelece que tais sites devem atender a requisitos específicos, entre eles, a exigência de conter ferramentas de busca de conteúdo que permitam o acesso à informação de maneira objetiva, transparente, clara e de fácil entendimento (art. 8, parágrafo 3, I). Assim, enfatizando que a informação não deve apenas ser disponibilizada, mas que isso deve ser feito de uma maneira que torne a informação ampla e facilmente acessível para todos. Com base nessa lei, vários sites de agências públicas agora têm um link específico para “acesso à informação”, que fornece os dados exigidos por lei.

O princípio subjacente a este padrão legal é claro: a relação entre informação e democracia é essencial. A democracia desaparece quando a verdade é escondida. Um sistema no qual decisões democráticas são baseadas em dados enganosos é uma democracia imperfeita. Aumentar a transparência e fornecer informações de melhor qualidade aos cidadãos melhora a qualidade das decisões e contribui para uma sociedade melhor informada e para a construção de uma democracia plena.

Os Federalistas (EUA) já destacavam como é vital a distribuição de conhecimento e informação sobre assuntos políticos para a saúde das democracias, permitindo o controle social, sem o qual não existe um regime verdadeiramente democrático. Assim, um arquivo digital de dados oficiais empodera os cidadãos, facilitando seu acesso à informação de interesse público.

No entanto, embora a divulgação de dados seja necessária para estabelecer um meio de comunicação entre o setor público e os cidadãos, isso não é suficiente. A virtualização do mundo nos sobrecarregou com um incrível volume de informações “cruas”. A internet é a mais extensa coleção de conhecimento já desenvolvida pela humanidade. Em um oceano de informações, desenvolver métodos para processar e interpretar registros também é essencial. Para ser verdadeiramente transparente, os dados divulgados devem ser processados: eles devem ser lidos, analisados e interpretados.

O uso de aplicativos de internet pode ser útil no processamento dos dados divulgados. No Brasil, muitas iniciativas surgiram. Para as eleições gerais de 2018, um site para reclamações de consumidores chamado “Reclame Aqui” desenvolveu um aplicativo chamado “detector de corrupção”. O aplicativo usa tecnologia de reconhecimento facial para cruzar fotos de candidatos e políticos com informações oficiais disponíveis nas páginas dos tribunais de justiça, indicando se estão sujeitos a ações judiciais e o tipo de processo. É interessante que, embora seja uma iniciativa do setor privado, ela “rasteja” dados abertos disponíveis nos sites do setor público, e adiciona uma interface amigável para entregar o resultado de uma maneira facilmente compreensível.

Já o Ministério Público do Estado da Paraíba desenvolve anualmente o evento hackfest, pelo qual premia equipes de cidadãos que desenvolverem apps para combater a corrupção. No ano de 2017 um dos premiados foi o “vidinha de balada”, aplicativo que controla os gastos dos Deputados Federais e faz um ranking dos que mais gastaram, atualizado periodicamente.

Contudo, não há milagre aqui. Apps são uma contribuição para a luta contra a corrupção, mas não uma bala de prata. A digitalização é uma evolução necessária devido ao volume de informação disponível hoje em dia. As instituições que permanecerem restritas ao processamento de dados analógicos tendem a ficar para trás, pois não conseguirão acompanhar a evolução tecnológica da sociedade. No entanto, sem o uso efetivo dessas ferramentas pelos cidadãos e funcionários públicos, nenhuma mudança virá.

A eficácia desse tipo de ferramenta está especialmente em conscientizar e facilitar o controle social. Quando os órgãos de combate à corrupção fazem o seu trabalho, mas não o mostram aos cidadãos, uma falsa percepção de corrupção generalizada pode ser gerada entre as pessoas. Portanto, facilitar a interpretação dos dados divulgados e exibir os resultados das ações tomadas pelo setor público são essenciais para reduzir o senso geral de impunidade e vital para fomentar a confiança pública.

Mas a efetividade de aplicativos pode ser reduzida se, por exemplo, os programas interpretarem os dados de maneira enganosa ou se eles estiverem sendo usados em um país com pouca acessibilidade à Internet. Se a interpretação das informações pelo aplicativo parecer enganosa, uma possível solução pode estar em fornecer o código do aplicativo para permitir a auditoria pelas pessoas, que então serão responsáveis pelo controle de qualidade. Vale lembrar que a capacidade de produzir conhecimento coletivo na internet é baseada principalmente na revisão por pares.

Quanto à questão de saber se apps ainda são eficazes se, em um determinado país, o acesso à internet for escasso, a resposta poderia ser: para que essa proposta seja eficaz, a porcentagem da população com acesso à internet é irrelevante. Se apenas 10% das pessoas estiverem conectadas, é para esses 10% que os dados devem ser divulgados e interpretados. Em outras palavras, independentemente da porcentagem de pessoas que têm acesso on-line, se as pessoas que têm acesso à Internet receberem mais informações sobre seus assuntos governamentais e despesas públicas, a perspectiva será melhor do que não ter nenhuma informação on-line. São eles que exercerão o controle social on-line e terão a responsabilidade social de divulgar essas informações por outras mídias, como rádio, jornais ou televisão.

Espera-se que o crescente desenvolvimento e uso de inteligência artificial, blockchain e big data abrirão mais possibilidades no futuro, reformulando ferramentas anticorrupção, atualizando métodos tradicionais, e reafirmando a ideia apresentada neste ensaio, ou seja: que aplicativos de internet podem e devem ser usados para promover a integridade.

*Este artigo é uma versão adaptada para internet do ensaio originalmente publicado no livro “Integrity, A Valuable Proposition”, lançado por ocasião do ICC’s International Integrity & Anti-Corruption Conference, na cidade da Haia, Holanda, em 7/12/2018. Disponível em: http://www.weekvandeintegriteit.nl/booklet/

Por Bárbara Luiza Coutinho do Nascimento

Fonte: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/promovendo-a-integridade-online-de-dados-abertos-a-dados-interpretados-20012019

 

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