Ela não é um produto do Poder Legislativo e nem uma lei da natureza, mas sim uma inspiração; é uma declaração sobre a atividade dos engenheiros e cientistas da computação[1]. Mas o que é exatamente a Lei de Moore que dita o ritmo da quarta revolução tecnológica?

Nos anos 60, Gordon Earl Moore, cofundador da Intel, previu em um artigo científico datado de 1965 que a quantidade de transistores contidos nos processadores dobraria, em média, a cada dois anos durante um período de, ao menos, dez anos. Contudo, a previsão foi muito conservadora: há mais de meio século, o crescimento previsto por ele continua ocorrendo.

Essa premissa originou a chamada Lei de Moore, que, em 1975, foi revisada de modo que o período de dois anos fosse reduzido para dezoito meses[2]. Atualmente, há um certo consenso de que, pelo menos por enquanto, a previsão do cientista vem se confirmando[3]. Nesse contexto, é importante destacar que a Lei fala na duplicação da capacidade computacional – por meio da duplicação do número de transistores –, o que significa que a sua evolução obedece a uma função exponencial. Confira-se[4]:

A força transformadora da função exponencial é tamanha que levou o físico Albert Allen Bartlett a afirmar que “a maior deficiência da raça humana é nossa incapacidade de entender a função exponencial”. Não se sinta culpado: devido ao viés cognitivo do raciocínio humano conhecido como heurística de disponibilidade, temos a tendência de duvidar de algo até que já tenhamos experimentado, pois nosso parâmetro para a realidade é aquilo que temos de acessível no momento[5]. Embora não seja fácil, alguns exemplos nos ajudam a entender o poder dessa transformação.

O telefone demorou quase o século XX inteiro para se tornar um objeto corriqueiro nas residências, enquanto o smartphone e o tablet levaram menos de uma década[6]. Entre os anos de 2006 e 2011, o tráfego da internet aumentou doze vezes, alcançando 23,9 exabytes. Para se ter uma ideia, um exabyte corresponde a 1.000.000.000.000.000.000 bytes. Essa quantia equivale a 200 mil bases de dados do supercomputador cognitivo Watson[7], desenvolvido pela IBM, e responsável por vencer diversos competidores humanos no Jeopardy!, programa de TV americano de perguntas e respostas, replicando os questionamentos em menos de três segundos[8].

As mudanças proporcionadas por essa revolução tecnológica são – e serão ainda mais – profundas e extremamente velozes. Todavia, temos visto algo parecido no mercado jurídico? Com exceção de mudanças no acesso e na circulação da informação promovida pela internet, a atividade do profissional do Direito mudou pouquíssimo nos últimos cinquenta anos. Acessamos autos eletrônicos de processos judiciais e mandamos e-mails, mas pouquíssima coisa da rotina propriamente dita foi alterado. Ainda seguimos o rito rígido, padrão e formal do processo judicial e comparecemos em audiências presenciais[9].

Adotamos uma prática oitocentista e poucos acreditam que isso vá mudar em breve, mas já é possível notar que estamos no ponto de inflexão – ou joelho da curva – da função exponencial no mundo jurídico.

Seguindo a tendência internacional, em junho de 2017, foi fundada a Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L), que reúne empresas de tecnologia voltadas para o mercado jurídico, agentes do mercado e escritórios de advocacia já existentes, e que também objetiva fomentar o surgimento de novos players[10].

No Brasil, embora seja possível perceber uma assimetria entre a Administração Pública e a iniciativa privada no que se refere à adoção de novas tecnologias, já se vê algumas tentativas tímidas e louváveis de automatização e uso de inteligência artificial como, por exemplo, o caso de Dra Luzia, robô que trabalhará auxiliando a Procuradoria do Distrito Federal nas execuções fiscais[11], além da aprendizagem de máquinas e o processamento de linguagem natural aplicada pela Polícia Federal nas recentes investigações de corrupção[12].

No âmbito das resoluções de disputas, o Brasil ainda está bastante atrás do resto do mundo, mas o potencial disruptivo da adoção de tecnologia, seja como método alternativo, seja diretamente pelo Poder Judiciário é capaz de mudar completamente a forma como encaramos as controvérsias e o procedimento para saná-las.

Os métodos privados de resolução de conflitos (ADR[13]), impulsionados pela tecnologia de propósito geral da informação[14], serão capazes de permitir que as partes resolvam suas diferenças em ambientes virtuais, através de plataformas com interfaces amigáveis e alicerçadas sobre algoritmos que terão potencial para levar o impasse a um resultado pacífico e construtivo (ODR[15]).

A título de exemplificação, o eBay, gigante do comércio eletrônico, permite que os usuários da sua plataforma de compra e venda (consumer to consumer ou C2C) abram reclamações e as solucionem a custo zero. A fórmula simples e inovadora é um sucesso estrondoso, sendo responsável por resolver a marca de sessenta milhões de disputas entre seus usuários por ano[16].

O Poder Judiciário no Brasil, entretanto, ainda está estagnado no século passado. Embora a Lei nº 11.419/06 (Lei do Processo Eletrônico) esteja prestes a fazer dez anos, pouca coisa mudou em termos de celeridade processual. Sem qualquer aparato de computação cognitiva, automação de documentos e ciência de dados para facilitar o processamento e julgamento, os juízes e servidores estão sendo abarrotados de novos processos[17] em um volume que tem crescido violentamente desde a promulgação da lei.

Felizmente, em agosto do ano corrente, durante a Jornada de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal, foi aprovado o Enunciado nº 25[18], que prevê que as audiências de conciliação ou mediação poderão ser realizadas por videoconferência, áudio, sistemas de troca de mensagens, conversa online, escrita, eletrônica, telefônica e telemática ou outros mecanismos que servirem ao propósito da autocomposição.

Nessa mesma linha, há casos animadores: as Online Courts já marcam território mundo a fora. Em 2002, por exemplo, o Ministério da Justiça da Inglaterra e do País de Gales, lançou o programa Money Claim Online que permite que usuários possam distribuir ações de cobrança no valor de até ‎£ 100.000,00[19].

Como afirmou o Aaron Wright[20], advogado e especialista em blockchain, o mundo está mudando dramaticamente e os juristas podem até ser retardatários, mas em tempos exponenciais não há como ficar para trás durante muito tempo. A tecnologia chegou no Direito para ficar, e se o processo judicial é a forma civilizada que o homem encontrou para fazer a guerra[21], a informatização da resolução de litígios é a sua forma avançada.

 

 

[1] BRYNJOLFSSON, Erik; MCAFEE, Andrew. A segunda era das máquinas: trabalho, progresso e prosperidade em uma época de tecnologias brilhantes. Rio de Janeiro: Alta Books, 2015, p. 45.

[2] ALENCAR, Felipe. O que é a Lei de Moore? Entenda a teoria que ‘prevê’ futuro da Informática. TechTudo. Disponível em: http://www.techtudo.com.br/noticias/noticia/2015/06/o-que-e-lei-de-moore-entenda-teoria-que-preve-futuro-da-informatica.html – Acesso em 01 de jul. 2017.

[3] MOORE’S LAW. How overall processing power for computers will double every two years. Moore’s Law. Disponível em: http://www.mooreslaw.org/ – Acesso em 01 de jul. 2017.

[4] BECKER, Daniel; LAMEIRÃO, Pedro. Hasta la vista, counselor: os advogados não serão substituídos pela tecnologia? Lex Machinea. Disponível em: http://www.lexmachinae.com/2017/07/12/hasta-la-vista-counselor-os-advogados-nao-serao-substituidos-pela-tecnologia/ – Acesso em 20 de set. 2017.

[5] YUDKOWSK, ELIEZER. Cognitive biases potentially affecting judgment of global risks. Machine Intelligence Research Institute. Disponível em: https://intelligence.org/files/CognitiveBiases.pdf – Acesso em 20 de set. 2017.

[6] BECKER, Daniel; LAMEIRÃO, Pedro. Hit the road, droid: a iminente disrupção nas estradas. Lex Machinea. Disponível em: http://www.lexmachinae.com/2017/07/18/hit-the-road-droid-a-iminente-disrupcao-nas-estradas/ – Acesso em 20 de set. 2017.

[7] BRYNJOLFSSON, Erik; MCAFEE, Andrew. Op. Cit., p. 73.

[8] BECKER, Daniel; LAMEIRÃO, Pedro. Better call ROSS. Lex Machinea. Disponível em: http://www.lexmachinae.com/2017/07/05/better-call-ross/ – Acesso em 20 de set. 2017.http://www.lexmachinae.com/2017/07/05/better-call-ross/

[9] COHEN, Paul; NAPPERT, Sophie. The march of the robots: when artificial intelligence meets artificial intelligence. Global Arbitration Review, vol. 12, 1, abril de 2017.

[10] COURA, Kalleo. Advogados não serão substituídos pela tecnologia. JOTA. Disponível em: https://jota.info/advocacia/advogados-nao-serao-substituidos-pela-tecnologia-07062017 – Acesso em: 20 de set. 2017.

[11] GROSSMANN, Luís Osvaldo; QUEIROZ, Luiz. Primeira robô-advogada do Brasil mira R$ 24 bilhões em cobranças judiciais. Disponível em: http://www.convergenciadigital.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?UserActiveTemplate=site&infoid=45615&sid=3 – -Acesso em: 20 de set. 2017.

[12] BATISTA, Vera. Delegados da PF e IDP-SP criam grupo para uso da inteligência artificial em investigações. Correio Braziliense: Blog do Servidor. Disponível em: http://blogs.correiobraziliense.com.br/servidor/delegados-da-pf-e-idp-sp-criam-grupo-para-uso-da-inteligencia-artificial-em-investigacoes/ – Acesso em: 20 de set. 2017.

[13] Alternative Dispute Resolution

[14] BRYNJOLFSSON, Erik; MCAFEE, Andrew. Op. Cit.. Rio de Janeiro: Alta Books, 2015, p. 84-85.

[15] Online Dispute Resolution.

[16] BECKER, Daniel; LAMEIRÃO, Pedro. Online Dispute Resolution (ODR) e a ruptura no ecossistema da resolução de disputas. Disponível em: http://www.lexmachinae.com/2017/08/22/online-dispute-resolution-odr-e-a-ruptura-no-ecossistema-da-resolucao-de-disputas/ – Acesso em: 19 de set. 2017.

[17] ATHENIENSE, Alexandre. O processo judicial eletrônico causa efeitos colaterais à saúde. Consultor Jurídico. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2014-nov-07/direito-papel-processo-judicial-eletronico-causa-efeitos-colaterais-saude – Acesso em: 19 de set. 2017.

[18]ENUNCIADO 25 – As audiências de conciliação ou mediação, inclusive dos juizados especiais, poderão ser realizadas por videoconferência, áudio, sistemas de troca de mensagens, conversa online, conversa escrita, eletrônica, telefônica e telemática ou outros mecanismos que estejam à disposição dos profissionais da autocomposição para estabelecer a comunicação entre as partes.”

[19] SUSSKIND, Richard. Tomorrow’s Lawyers: an introduction to your future. Oxford: Oxford University Press, 2012, p. 102.

[20] TAPSCOTT, Don; TAPSCOTT, Alex. Blockchain revolution: como a tecnologia por trás do Bitcoin está mudando o dinheiro, os negócios e o mundo. São Paulo: SEANI-SP, 2016, p. 141.

[21] MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. O bélico e o lúdico no direito e no processo. Revista da Presidência, v. 6, n. 67, dezembro 2004.


Por: Daniel Becker e Isabela Ferrari

Artigo publicado originalmente no Jota.

Fonte: http://www.lexmachinae.com/2017/10/06/pratica-juridica-em-tempos-exponenciais/