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Parecer Veto – Cobrança Dados Abertos (PL 317/2021 – art. 29 §3º)

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Parecer Veto - Cobrança Dados Abertos (PL 317/2021 - art. 29 §3º

Parecer sobre pedido de veto parcial ao PL 317/2021, Governo Digital

Parecer Veto – Cobrança Dados Abertos (PL 317/2021 – art. 29 §3º)

Parecer que insta pelo veto parcial ao art. 29, §3o do PL 317/2021 que prevê cobrança pelo acesso a dados públicos por contrariedade ao interesse público.

03/março/2021

As organizações abaixo assinadas, vem, através do presente documento, apresentar a seguinte nota técnica no sentido de solicitar veto parcial ao PL 317/2021, governo digital, que no art. 29, §3o prevê cobrança pelo acesso a dados públicos nos seguintes termos:

“Art. 29. Os dados disponibilizados pelos prestadores de serviços públicos […].
§ 3o É facultada aos prestadores de serviços e aos órgãos e entidades públicos que tenham por objeto a execução de serviços de tratamento de informações e o processamento de dados […] a cobrança de valor de utilização[.]”

Resumo:

  • ●  Chamamos a atenção para avanços da regulação do Governo Digital no que tange à maior eficiência, celeridade e abertura a dados públicos presente no PL 317/2021, que deve servir para gerar uma melhor infraestrutura pública de dados e permitir inovação dentro de uma economia de dados; e,
  • ●  Inta-se pelo veto parcial ao PL 317/2021, governo digital, no que tange ao art. 29, §3o que prevê cobrança pelo acesso a dados públicos.

Nesse propósito, a AB2L e o ITS Rio insta pelo veto parcial ao PL 317/2021, Art. 29 §3o que faculta cobrança de valor de utilização para acesso a dados abertos por ser contrário ao interesse público, pelas seguintes razões:

(i) É contrário às recomendações da OCDE e a lógica prevalente internacional de uma economia de dados em que dados públicos abertos servem como infraestrutura permitindo o desenvolvimento de inúmeros novos negócios;

(ii) Atenta contra os princípios da administração pública (art. 37 Constituição Federal) pois impõe restrições à publicidade, viola a impessoalidade ao criar um desequilíbrio no acesso a serviços públicos em benefício de quem tem mais recursos e atenta contra a eficiência ao criar uma nova barreira de acesso. Inclusive, é contrário ao objetivo de inovação previsto na reforma administrativa proposta pelo Ministério da Economia. Ademais, também viola os princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência; e,

(iii) Desincentiva o uso de dados abertos, caminho reverso de diversos países como Canadá, Estados Unidos, Reino Unido, Austrália e Irlanda que incentivam e promovem o acesso a dados públicos.

I. Dados Públicos Abertos são Infraestrutura para a Economia de Dados:

Dados públicos abertos são grandes oportunidades para melhorar a prestação de serviços públicos além de gerar valor econômico significativo através de produtos e serviços inovadores. Para além do importante impacto no aumento da transparência, empoderamento social e aprimoramento da democracia (vide estudo do IPEA), estimula o desenvolvimento inovador de novos produtos e serviços. Há toda uma economia baseada em dados públicos que vem se desenvolvendo fortemente nos últimos anos.

A OCDE estimava em 2015 que o mercado de dados abertos correspondia a 500 bilhões de dólares, sendo que estudo recente da União Europeia mostra que em 2025, somente na Europa, o mercado deve corresponder a algo entre 200 e 350 bilhões de euros, a uma taxa de crescimento de pelo menos 7% ao ano. Ainda, o McKinsey Global Institute estima que dados abertos – informações públicas podem ajudar a criar US $3 trilhões por ano de valor.

No Brasil, um dos objetivos do PL 317/21 recém aprovado no Congresso é justamente incentivar esse mercado e permitir o desenvolvimento de uma série de empresas que possam se valer de dados públicos. Entenda-se aqui um impacto em iniciativas de setores tão diferentes como LegalTechs, RegTechs, EdTechs, AgTechs, HealthTechs, entre muitas outras.

Os exemplos mais comuns de dados abertos utilizados já há muitos anos são os dados espaciais. Mapas de ruas e da topografia do país estão na base de diversos negócios desde apps de transporte e logística como “GoogleMaps”, “Waze”, e também “Uber”, “99 Taxi”, “EasyTaxy”, além de também facilitarem a exploração de minérios e o desenvolvimento da agricultura – afinal, a escolha de onde plantar e o quê plantar muito depende de dados públicos sobre o solo e o clima (a Embrapa aponta que a principal fonte de dados para a agricultura é o IBGE).

Mas há outras áreas afetadas também, como a de pesquisa e desenvolvimento. Durante a pandemia, apenas a título ilustrativo, notou-se a importância de dados públicos abertos no combate ao vírus. Não só servem para o planejamento do governo e das empresas, mas também são cruciais para a pesquisa e desenvolvimento, desde o impacto das vacinas até uma série de novos produtos de profilaxia a respiradores (vide pesquisa da UNESCO).

Criar custos para acesso a dados pode parecer atrativo para supostamente produzir mais receita, mas efetivamente é matar a galinha de ovos de ouro e colocar um freio em toda a economia de dados. Mesmo valores pequenos podem escalar

rapidamente e impedir o funcionamento de serviços muito positivos para economia e para a sociedade. Na prática, o serviço prestado por ferramentas que hoje facilitam acesso a informações restaria inviabilizado. A título de ilustração, existem mais de 250 empresas associadas à AB2L que viabilizam informações judiciais a todos, na hipótese de arcar mesmo 10 centavos por processo despenderiam milhões de reais. É certo que o que se prevê obstaria esses diferentes negócios e impediria o desenvolvimento do uso de novas tecnologias como “big data” e Inteligência artificial. Como se vê, o barato aqui sairia muito caro ao desenvolvimento econômico e ao mercado em si, tornando-se uma barreira de entrada para startups e empresas de menor porte.

O dispositivo inclusive não informa como será calculada a cobrança e de que maneira. No passado, o Diário Oficial da União já buscou cobrar pelo seu acesso pela manhã, por exemplo. Em uma sociedade em que acesso à informação e que a velocidade de nanosegundo pode mudar tudo (empresas financeiras mudam seus sistemas de internet para ganhar segundos de velocidade, só para ilustrar), esse tipo de cobrança efetivamente coloca pessoas e negócios no mínimo em situação de desigualdade.

Cobrar por acesso a dados públicos abertos, então, vai contra não só o que a maioria dos países está fazendo, mas também contra os próprios interesses do Brasil. A nova economia de dados é forjada em uma infraestrutura de dados e dados públicos abertos são a nova fronteira. O impacto que se está vendo é significativo. Do lado de governos de diversos outros países a estratégia é que prestem dados públicos sem custos, ou busquem o mínimo possível para poder incentivar, apoiar e facilitar que sejam utilizados (vejam OCDE e UE).

II. Cobrar por acesso a dados públicos atenta contra Princípios Constitucionais:

Em primeiro lugar, importa ressaltar que a atual redação dada ao Art. 29, §3o do PL do Governo Digital viola pelo menos três princípios estruturantes da administração pública no Brasil. Dentre outros, o Art. 37 da Constituição Federal elenca como princípios da administração pública direta e indireta a publicidade, impessoalidade e eficiência.

Condicionar o acesso a dados públicos ao pagamento de um valor de utilização a ser arbitrado pelo órgão ou entidade pública que figura como controlador dos dados é enfraquecer a publicidade. Afinal, o norte da atividade pública é a transparência e o acesso à informação. Como afirma Marçal Justen Filho, “o princípio da publicidade exige que os atos estatais sejam levados ao conhecimento de todos, ressalvadas hipóteses em que se justificar o sigilo.”1 Levando em consideração a natureza dos dados públicos e sua importância para o

1 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 11 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 203.

desenvolvimento de uma economia aberta de dados, o óbice ao acesso parece injustificável. Não basta meramente dispor os dados, a Constituição pressupõe que a publicidade seja efetiva, que os cidadãos possam estar informados e atuar com base nesses dados.

A redação dada ao dispositivo legal sob análise também viola o princípio da impessoalidade, uma vez que todos são iguais perante a administração pública e o Estado. O tratamento diferenciado, sem justificativa e fora de situações excepcionais, é uma distorção do espírito republicano salvaguardado em nosso regime constitucional. Ao condicionar o acesso ao dado público ao pagamento de um valor arbitrado pelo Estado, a lei estaria dando prioridade àqueles atores que dispõem de mais recursos financeiros em detrimento de outros atores de menor porte que também atuam num contexto econômico cada vez mais dependente do acesso, da coleta e do tratamento de dados.

Tem-se, ademais, que o Art. 29, §3o do PL do Governo Digital coloca em risco o princípio da eficiência. Como aduz Justen Filho, “a eficiência pode ser considerada como a utilização mais produtiva dos recursos econômicos, de modo a produzir os melhores resultados. Veda-se […] a má utilização dos recursos destinados à satisfação de necessidades coletivas.”2 Levando em consideração os valores e vantagens associadas a uma economia pautada em dados abertos, a imposição de um óbice injustificado ao acesso à informação emerge como uma má utilização de recursos públicos em desfavor de necessidades coletivas.

Isso sem considerar a dimensão de auxílio a atividade da administração que advém de diversos serviços baseados em dados públicos como somo para mencionar alguns as GovTechs que dão mais acesso a regulações públicas; facilitam balanço de contas públicas; cruzam dados para combater a corrupção e encontrar gastos díspares; entre outras diferentes funções que podem ser afetadas.

No que diz respeito aos princípios econômicos, a nova lei importa em violação direta dos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, assegurados pela Constituição Federal (arts. 1o, IV, 5o, e 170, caput, IV e p.u. CF/88). Ao criar assimetria no acesso aos dados públicos, o PL 317/2021 introduz a criação de uma reserva de mercado em favor de atores já estabelecidos, desincentivando a inovação no mercado de dados abertos. Em suma, em se tratando de atividade econômica, a intervenção do Estado deve ocorrer de modo a não desencorajar ou frear o seu desenvolvimento.

Por fim, cumpre ressaltar que o Art. 29, §3o do PL do Governo Digital vai no sentido contrário da reforma administrativa elaborada pelo Ministério da Economia (PEC 32/2020). Sem adentrar no mérito da reforma e em seus pontos controvertidos, para os fins deste parecer importa anotar que a nova redação que se quer dar ao Art. 37 da Constituição adicionaria ao rol dos princípios da administração pública o princípio da inovação. Como se demonstrou acima, o óbice pelo PL 317/2021

2 Ibidem, p. 205.

representa um rumo contrário ao princípio constitucional que o Governo Federal busca constitucionalizar através da PEC 32/2020.

Em suma, a visão constitucional de uma administração pública transparente, impessoal, eficiente, inovadora e que respeita a livre iniciativa e concorrência deve refletir-se em acesso simples, facilitado e incentivado a dados públicos abertos. A adição de custos para esse acesso, como prescreve o Art. 29, §3o do recém aprovado PL, caminha no retrocesso, na via contrária, na administração burocrática, travada e que fica longe da rapidez e velocidade do espaço da inovação.

III. Experiência Internacional com Incentivos e Promoção de Dados Abertos:

O espírito do PL 317/2021, recém aprovado, já é no sentido de promoção de dados públicos abertos. A ideia é o desenvolvimento de um governo digital em que os cidadãos e as empresas possam além de ter acesso a serviços públicos de qualidade e eficientes, também ter uma infraestrutura de dados públicos, abertos de qualidade. Experiências internacionais de diferentes países vão no sentido inclusive de incentivar o uso de dados públicos de modo a gerar novas soluções inovadoras.

A Carta de Princípios de Dados Abertos da OCDE reforça essa noção de incentivos. Estabelece que a regra é que os dados devam ser abertos, mas não meramente abertos, devem ser abrangentes, detalhados, acessíveis, usáveis, comparáveis e permitir leitura por máquina. Todos esses pontos indicam que a abertura deve se guiar no sentido da maior disponibilização possível, da forma mais acessível possível. A cobrança por esses usos impede justamente as propostas que podem agregar maior valor à cadeia, qual seja a inovação em termos de produtos e serviços.

Nesse mesmo sentido, a Carta Internacional de Dados Abertos (ODC) foi lançada em paralelo à Assembleia Geral das Nações Unidas de 2015 após uma consulta global liderada pelos principais representantes dos governos da Open Government Partnership, e organizações da sociedade civil. Hoje formalmente adotada por 79 governos nacionais e locais de todo o mundo (Brasil não parte desta lista), a Carta estabelece seis princípios fundamentais, incluindo que os dados devem ser abertos por padrão (1) e gratuitos (3).

Diversos governos nacionais e subnacionais já disponibilizam seus dados a partir das orientações de governo aberto e estratégias de dados abertos. Entre os países que contam com políticas de dados abertos há mais de uma década, é possível citar: Canadá, Estados Unidos, Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia, mas a lista é extensa. Esses países criaram políticas nacionais de acesso que incentivam empresas e cidadãos a criarem novos modos de utilizarem a informação

publicada em seus portais possibilitando uso de novas tecnologias e novos modelos de negócios.

O governo australiano criou em 2010 o portal Data Austrália no qual encoraja a pesquisa e o uso dos dados, descritos como ‘recurso nacional que possui um valor considerável para o crescimento da economia, melhorando a prestação de serviços e transformando os resultados das políticas públicas’, para a inovação. Adeclaraçãodepolíticadedadospúblicosdogovernofederalexigeque todas as agências governamentais tornem os dados não confidenciais abertos por padrão e disponíveis sem custos.

O governo britânico há bastante tempo aposta em retirar barreiras e incentivar o uso de dados públicos para impulsionar a inovação e gerar valor econômico e social. A Grã-Bretanha inclusive realiza série de eventos no sentido não só de incentivar como de promover e criar capacidade para o uso de dados públicos. Exemplo é o concurso de desenvolvimento de soluções denominado Show us a better way. A competição oferece prêmios para as melhores ideias que trazem oportunidades para o reuso de dados públicos abertos. Outras medidas de incentivo implementadas são: um fundo no valor de 7.5 milhões de libras, denominado Data Strategy Board Breakthrough Fund (Fundo Inovador do Conselho de Estratégia de Dados, em português), foi criado para que órgãos autoridades públicas pudessem superar entraves técnicos na disponibilização de dados; o investimento de 850.000 libras na criação do Open Data Immersion Programme (Programa de imersão de dados abertos, em português) para fornecer suporte a empresas (principalmente PMEs e startups) que buscam reutilizar dados para desenvolver ideias para novos produtos e serviços; atualizações no formato no qual os dados podem ser baixados, para torná-lo mais fácil, preciso e flexível para as empresas usarem. Neste sentido, não só não há uma barreira com o custo, como efetivamente houve um dispêndio para facilitar e incentivar o uso de dados públicos. Atualmente há uma grande concentração de novos negócios e serviços que se formou ao redor destas iniciativas.

Por último se cita a Estratégia de Dados Abertos da Irlanda que auxilia no avança de uma das economias digitais que mais cresce na Zona do Euro. A estratégia define dois objetivos centrais: i) a publicação de dados governamentais de alto valor em formato aberto, tornando-os publicamente disponíveis e reutilizáveis livre e gratuitamente e ii) o engajamento da comunidade de partes interessadas para promover seus benefícios sociais e econômicos. Nesse contexto, não só publicizando de maneira aberta, como também incentivando o seu uso.

O que todos esses governos têm ainda em comum é a clara noção de que o caminho para se manterem competitivos na economia digital depende de sua capacidade de aproveitar o valor dos dados no médio e longo prazo. Os volumes de dados estão crescendo exponencialmente, assim como seu valor

potencial. Publicar, facilitar e incentivar seu acesso e utilização cria oportunidades que nem o governo nem as empresas podem antever. Cobrar por esse acesso não é a visão do futuro e deve dificultar para colher o seu potencial econômico.

IV. Como conclusão, reitera-se:

i. Insta o veto parcial ao PL 317/2021, governo digital, no que tange ao dispositivo do art. 29, §3o que prevê cobrança pelo acesso a dados públicos por ser contrário aos interesses de uma economia de dados públicos abertos; não ser compatível com diversos princípios constitucionais da ademais, dos da livre iniciativa e da livre concorrência; e, estar indo na contramão às estratégias dos países de não só facilitar o acesso (de maneira gratuita) como de incentivar o seu uso para desenvolver novos produtos e serviços além de melhor os já existentes.

Assinam esse pedido as organizações abaixo:

ASSESPRO – Federação das Associações das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação

ITS Rio – Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro

Instituto Soma Brasil

Associação Dínamo

ABES

FENAINFO

Softex Recife

AB2L – Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs

Endeavor

Anprotec – Associação Nacional de Entidades Promotoras de
Empreendimentos Inovadores

ABStartups – Associação Brasileira de Startups

Rede Brasileira de Conselhos-RBdC

NGPD – Núcleo de gestão do Porto Digital

SEPROPE

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