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Para ser transformadora, a revolução digital precisa ser inclusiva

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Inclusão
Imagem: Freepik

Inteligência artificial e machine learning são consideradas as principais tendências de 2021, foi o que disseram mais de 350 executivos do Brasil, China, Estados Unidos, Índia e Reino Unido, em pesquisa global realizada pelo IEEE (Instituto de Engenheiros Elétricos e Eletrônicos). E nesse mesmo passo, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) através da aprovação da portaria (271/20), publicada no último mês de dezembro, ampliou a atuação da ferramenta Sinapses, a adotando como plataforma nacional de Inteligência Artificial no Judiciário brasileiro, abrindo caminho para ampliar a utilização de algoritmos na formação de uma justiça cada vez mais digital. Desse modo, considerando o rápido avanço da IA e o seu protagonismo na Quarta Revolução Industrial frente a temas tão delicados como a sua aplicação no sistema judicial, a participação feminina para que não se perpetue o preconceito de gênero e a construção de algoritmos por equipes que levem em consideração diversidade, são pontos a se levantar atenção. A IA está definindo não apenas prioridades da sociedade, mas também trabalhando com a tutela de direitos humanos. E mais do que nunca, se as mulheres estão contribuindo menos para o desenvolvimento da economia digital, suas necessidades provavelmente serão negligenciadas por projetos elaborados sem levar em conta aspectos da equidade de gênero.

E nessa lógica, faz-se necessária a avaliação e discussão de pontos que merecem atenção em uma transformação inclusiva: a minoria de profissionais femininas no mercado da tecnologia, conselhos de governança preponderantemente masculinos, falta de incentivos financeiros a projetos liderados por mulheres e ausência de ações de manutenção da força feminina no mercado digital. Em um estudo realizado pela PISA (OECD’s Programme for International Student Assessment), menos de 2% das meninas tinham pretensão de se tornar engenheiras ou cientistas da computação em comparação com 16% que pretendiam se tornar médicas. E a minoria das mulheres no campo de atuação da Indústria 4.0 é preocupante, não apenas pelo impacto na sociedade que a tecnologia está construindo, mas também na perda de oportunidades para um setor que tem criado cada vez mais vagas de trabalho em áreas relacionadas a TI, computação e engenharia. Atualmente, as mulheres representam apenas 23% dos engenheiros no Brasil segundo o UNESCO Science Report. Ao passo que o número de trabalhadores em todo mundo com habilidades em Inteligência Artificial aumentou 190% de acordo com o World Economic Forum (2018), apenas 14% desses profissionais são mulheres no Brasil.

E este também é o cenário em empresas de tecnologia: as mulheres enfrentam grandes lacunas de gênero em funções técnicas e de liderança. Na Apple, por exemplo, as mulheres representavam apenas 24% dos funcionários em funções técnicas e 37% em cargos de liderança, em dezembro de 2020, segundo a própria empresa. Da mesma forma a maior empresa de computação em nuvem do mundo, a Amazon com 29,3% de gerentes no mundo eram mulheres em 2020. O Facebook se sai melhor em termos de equidade de gênero, com 35,5% em cargos de liderança sênior, porém apenas 24,8% em funções ligadas à tecnologia. A COO, Sheryl Sandberg teve papel fundamental na mudança de cenário na empresa. Sandberg é autora do livro “Lean In”, obra que incentiva mulheres a serem líderes e terem papel protagonista no setor de negócios, o que explicaria a importância da liderança feminina na busca por um aumento na igualdade de gênero dentro das corporações, incentivando que os números sejam cada vez mais iguais.

Ponto este que leva a explorar o aspecto de falta de diversidade nos conselhos empresariais. No Fórum Econômico Mundial em Davos, em janeiro de 2020, foi lançado à imprensa que o banco de investimentos Goldman Sachs não abriria capital a empresas nos Estados Unidos e na Europa após 1 de julho de 2020 se um dos membros do conselho não fosse “diverso”, com foco em mulheres. No mesmo momento, o banco de investimentos pontuou que empresas com conselhos diversificados tiveram um salto de 44% no preço médio das ações em um ano após abertura de capital em comparação a 13% para aquelas sem conselhos diversos.
Nessa mesma esteira, o Silicon Valley Bank realizou uma pesquisa (2020 Women in US Technology Leadership) que mostrou que apenas 14% das startups nos Estados Unidos tinham uma CEO mulher e apenas 40% têm pelo menos uma mulher na diretoria ou no conselho de administração. E esses números são ainda piores na Europa, com apenas 5,1% de CEOs femininas em empresas de capital aberto segundo o McKinsey Global Institute (2019). E, como consequência da falta de incentivos de diversidade de gênero em cargos de liderança e ao empreendedorismo feminino, as empresas fundadas por mulheres receberam apenas 2,3% do investimento de capital de risco de acordo com o Women in Tech Report da TrustRadius, em uma pesquisa que levou em
consideração 700 empresas de tecnologia no mundo.

E somado a este cenário, mais um dado preocupa: as poucas mulheres que atuam na transformação digital estão deixando o setor em maior número que os homens. E segundo elas, as condições do local de trabalho, a falta de acesso a funções criativas e uma carreira paralisada são as principais razões da sua decisão de abandonar o setor. O que está certamente relacionado a sua sub-representação na liderança da empresa e funções técnicas. Não basta atrair talentos femininos para as áreas de tecnologia e engenharia, deve-se também garantir que homens e mulheres tenham oportunidades iguais de crescimento e salários iguais. E deve-se garantir que sua carreira não seja repleta de obstáculos que os homens claramente não precisam enfrentar. As mulheres não podem abandonar cargos técnicos por não se sentirem valorizadas. Diante disso, a escassez de habilidades femininas na tecnologia, principalmente na inteligência artificial, na liderança de equipes, no conselho de empresas de tecnologia e como empreendedoras, leva a um desequilíbrio de gênero que precisa ser atenuado e corrigido através de esforços governamentais, acadêmicos e corporativos, pois tem papel fundamental para que seja realizada uma transformação digital justa e eficiente.

Como buscar a aplicação devida de algoritmos em uma Justiça Digital, os quais se responsabilizarão pela tutela de direitos e que precisam ser livres de qualquer tipo de preconceito para que diferenças de gênero não sejam ampliadas ou incorporadas à tecnologia, se ainda não temos times diversos? Um exemplo é o software de reconhecimento de voz do Google que tem 70% de chance de reconhecer a fala masculina em detrimento à feminina, segundo a Universidade de Washington. Este é um fato que ilustra o vasto potencial de uso de IA e a responsabilidade técnica ética dos cientistas e engenheiros de ambos os sexos para que sirvam à comunidade como veículos de verdade e de progresso humano.

Nessa perspectiva, os avanços em inteligência artificial e outras tecnologias digitais estão nos levando a uma revolução social e prometem tornar as características masculinas e femininas, que por tanto tempo foram pretexto para a desigualdade de gênero, menos relevantes em um mundo digital. Apesar disso, a carência de mulheres e a não inclusão no setor expõe um fator de perigo para uma revolução tecnológica não eficaz e não justa, a ponto de não ser transformadora para a sociedade, consolidando ainda mais os estereótipos de gênero e anulando quaisquer vantagens.
E para tanto, ações verdadeiras de incentivo à liderança e o aumento da participação feminina na tecnologia e na ciência através de políticas corporativas e governamentais, precisam ser disseminadas. Dessa forma, as mulheres poderão deixar sua marca na ciência, na tecnologia e na inovação do amanhã e assim será possível enfrentar de maneira realmente transformadora os desafios do nosso tempo como direitos humanos, democracia, pandemias, problemas de saúde, desenvolvimento urbano e assim por diante.
Diversidade de gênero através de iniciativas inclusivas constantes, não fragmentadas e não limitadas a tempo e espaço é igual a uma revolução digital que realmente transformará a sociedade.

Texto original de Caroline Francescato, publicado no Estadão.

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