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Legaltechs, ‘UX’ e Advocacia Consultiva: qual a medida da automação dos serviços jurídicos?

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legaltechs

Tais empresas se propõem a solucionar os mais diversos problemas do setor jurídico por meio de inovações tecnológicas.

Após a repercussão nacional do fenômeno das Fintechs, startups de soluções tecnológicas para o setor financeiro e afins, vemos surgir uma nova onda de inovações tecnológicas em outro setor ainda muito apegado ao tradicionalismo: as Legaltechs (ou lawtechs), que buscam revolucionar o mercado jurídico brasileiro.

Diferentemente do setor financeiro, que desde o início da revolução tecnológica tem se proposto a acompanhar as novidades e facilidade relacionadas à automação e controle de processos, o setor jurídico ainda tinha se mantido por muitos anos incólume às grandes transformações.

Há poucos anos vemos a incorporação da tecnologia nos sistemas judiciários de gestão de processos, mas ainda de uma forma muito tímida e controlada. As Legaltechs vêm para mudar esse cenário.

O que são Legaltechs?

Tais empresas se propõem a solucionar os mais diversos problemas do setor jurídico por meio de inovações tecnológicas.

A contribuição mais conservadora desse grande projeto está nas propostas mais voltadas à eficiência e gestão – como as iniciativas de desafogar o judiciário (p.ex. “Vamos Conciliar”), ou desburocratização de procedimentos e gestão de processos e documentos (p.ex.: Linte – automação de documentos e gestão inteligente).

No mercado brasileiro, os advogados também estão familiarizados com as iniciativas que permitam a busca de decisões judiciais de uma forma mais simples (p.ex.: Jusbrasil e outros repositórios digitais de jurisprudência) – inclusive com jurimetria para cálculos de probabilidades, e iniciativas de “redes sociais” voltadas ao setor (p.ex. Jurídico certo) .

Porém o que chama a atenção, e gera um novo ciclo no movimento de automação dos serviços jurídicos, é o início de um grande movimento voltado a soluções que proporcionem uma melhoria na prestação do serviço do advogado, de forma substancial e evolutiva.

O cenário atual

Em maio de 2017 tivemos conhecimento do robô adotado por uma empresa nos Estados Unidos (JPMorgan) que era capaz de fazer em segundos o trabalho que advogados faziam em 360 mil horas. Já em julho de 2017, foi divulgada a “primeira robô-advogada” do Brasil, baseada em Inteligência Artificial, capaz de entender os processos, o seu andamento e quais suas possíveis soluções, além de cruzamento de dados e busca de endereços e bens de partes de processos judiciais.

Tais inovações estão surgindo de forma focada, principalmente, na área contratual. No Brasil, uma agenda que vem ganhando cada vez mais força no setor das Legaltechs está baseada em modelos de negócio que buscam automação de peças e instrumentos jurídicos, como petições, procurações e até mesmo contratos.

Estas startups surgem com o objetivo principal de automatização da elaboração de contratos sob o pretexto de estarem solucionando alguns dos chamados maiores problemas das empresas, tais como o alto custo com advogados, um moroso tempo de elaboração, falta de praticidade, etc.

A solução para estes problemas estaria, portanto, no desenvolvimento de ferramentas que conseguissem fornecer mais praticidade no processo de elaboração, ampliando seu acesso a não-advogados, diminuindo os custos de aquisição, e por fim, gerando a desejada celeridade na confecção destes documentos.

Porém nos cabe duas ressalvas quanto a essa nova onda de Legaltechs: a primeira diz respeito à melhor compreensão das dificuldades do empresariado brasileiro. Qual o real estímulo e desestímulo quanto ao serviço de assessoria jurídica para quem quer empreender no país? A segunda ressalva diz respeito a como a tecnologia pode ajudar essa atividade.

O que o cliente precisa?

A solução tecnológica nestes casos compreende uma particularidade do mundo jurídico que deve ser enfatizada: a elaboração e revisão de contratos e instrumentos similares se enquadra em uma advocacia consultiva, pois são apenas a formalização da externalização ou de um acordo de vontades.

A elaboração dos instrumentos contratuais nada mais é que a consequência de um extenso e minucioso trabalho prévio voltado ao entendimento da situação/negociação e à avaliação das melhores soluções jurídicas para o caso concreto.

Ocorre que essa leitura vem sendo deixada de lado por algumas Legaltechs, ao propor soluções tecnológicas-jurídicas voltadas para o consumidor final, pessoa física ou jurídica, que necessita de instrumentos jurídicos para sua vida pessoal ou negócio.

Sob “slogans” de “Automação”, “Velocidade”, “Baixo Custo” e “Personalização”, hoje vemos que essas empresas vendem aos usuários uma ilusória capacidade de elaboração de seus próprios contratos de forma personalizada, barata e rápida.

Para o consumidor, a mera possibilidade de contratação deste serviço pode gerar um alto grau de satisfação pela entrega e experiência proporcionada pela plataforma na confecção de algum instrumento jurídico, mas acreditamos que essa primeira fase da experiência de consumo não se sustenta a médio e longo prazo.

Qual é a melhor solução?

A Experiência do Usuário (UX – User Experience), ao adquirir estes serviços, é, sem dúvida, fantástica à primeira vista, pois, na prática, estas tecnologias entregam os documentos com a velocidade e custo prometidos, além de uma parcial personalização suficiente ao usuário não advogado, que na maioria das vezes não detém senso crítico apurado e know how técnico-jurídico acerca da operação.

Não é possível concluir que estas soluções entregam a mesma qualidade de um trabalho realizado por um profissional especializado, já que a programação da automação dos instrumentos jurídicos no âmbito consultivo não se revela capaz de, por si só, solucionar qualquer tipo de situação.

A falsa concepção do uso e desenvolvimento de “modelos personalizados” levanta uma proposta ousada e contraditória de resolver qualquer situação com modelos jurídicos elaborados pelo próprio usuário, com base em banco de dados, cláusulas e até mesmo inteligência artificial.

Na maioria dos casos, entretanto, o usuário desconhece a legislação, a jurisprudência, os riscos envolvidos e as inúmeras alternativas cabíveis ao caso específico, sendo certo que o cliente e a tecnologia não são capazes de construir, sem a figura do advogado, soluções jurídicas adequadas.

Da experiência da advocacia, se extrai da maioria dos casos uma conclusão: muitas vezes, o usuário ainda não sabe o que precisa, até conversar com seu advogado.

É justamente a construção conjunta, advogado e cliente, a partir dos concretos e potenciais problemas, a partir de uma análise de riscos e predições adequada a cada caso jurídico que consegue identificar as nuances de cada solução jurídica aplicável nas diversas situações empresariais e sociais.

O advogado como destinatário desse modelo de inovação

As particularidades de resolução dos problemas jurídicos acabam mascarando a Experiência do Usuário nas atividades consultivas de algumas plataformas, pois a melhor experiência possível é possibilitar ao cliente o acesso a um profissional que analise, discuta e proponha soluções adequadas à sua real situação, com base em conhecimento e experiência, em vez de simplesmente fornecer modelos de documentos parcialmente personalizados.

De fato, acompanhamos o surgimento de inúmeras tecnologias capazes de revolucionar a forma como é exercida a advocacia, possibilitando incríveis ganhos de produtividade no cotidiano do advogado, como é o caso das startups que apresentam plataformas de gestão de contratos e cláusulas contratuais, capazes de facilitar e agilizar o trabalho do profissional na confecção de documentos, sem se propor a substituir o raciocínio intelectual e, tampouco, subestimar a peculiaridade de cada caso.

Nestas situações, o uso da tecnologia é direcionado ao advogado como usuário final. Este é o profissional mais indicado para utilizar tais plataformas, pois aliará a tecnologia à sua expertise jurídica, utilizando esta ferramenta no exercício de sua atividade intelectual consultiva.

Conclusão

De forma alguma podemos entender as Legaltechs como ameaças aos postos de trabalho no mercado da advocacia, como vemos em mídias e em discursos de alguns advogados. Esta seria uma leitura simplista (e até mesmo corporativista) da discussão, que é muito mais ampla . Não podemos de forma alguma utilizar algumas situações para justificar a criação de barreiras às novas tecnologias.

O debate que deve ser estimulado não é “se” as Legaltechs vão entrar no mundo jurídico, mas “como”: qual a medida da automatização na profissão jurídica?

Cada vez mais surgem soluções para diversos problemas do mundo jurídico, facilitando parte do trabalho desenvolvido na advocacia (a parcela mais burocrática), melhorando a produtividade e proporcionando entregas mais assertivas do trabalho do advogado, que certamente precisa de inovação (como diversas outras profissões que passam a ser reinventadas com a tecnologia).

Esse é um importante papel na advocacia: possibilitar que o tempo do advogado seja usado com o raciocínio criativo e com a compreensão e adequação de situações concretas às molduras jurídicas apropriadas. Se isso for possível de uma forma mais eficiente, com uso da tecnologia, melhor ainda para todos os envolvidos.

Apesar de não substituírem o trabalho do advogado, as plataformas abordadas merecem atenção, uma vez que podem trazer a (falsa) sensação de segurança jurídica ao usuário de tecnologias, mas que esconde os potenciais problemas decorrentes do uso de soluções meramente replicadas de documentos pré-programados.

 

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