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Debate não é simples e existem variáveis que podem influenciar a decisão do Tribunal europeu
Em 2014 o Tribunal de Justiça de União Europeia (TJUE) reconheceu o direitode um cidadão espanhol a ter o resultado de busca que lhe ofendia desindexado das ferramentas de pesquisa no caso conhecido como Mário Costeja González x Google Espanha. Tal decisão deu origem a uma miríade de debates a respeito dos deveres dos provedores de busca e também ao que se convencionou chamar de “direito ao esquecimento”.
O TJUE considerou que os provedores de busca têm a capacidade de controlar o processamento dos dados pessoais dos indivíduos cujo nome é buscado e, portanto, têm a obrigação de desindexar as informações que sejam inadequadas, não pertinentes ou que já não sejam pertinentes por causa do decurso de tempo decorrido ou ainda sejam excessivas. Tal obrigação seria uma consequência do artigo 12.b da Diretiva nº 95/46 da União Europeia sobre proteção de dados pessoais.
A decisão europeia deixou a cargo do próprio provedor a decisão a respeito da desindexação (ou não) do conteúdo1, sendo certo que depois de tal decisão a Google tem sido inundada com milhões de pedidos para remover links do seu buscador, conforme descrito em seu relatório de transparência.
O novo Regulamento Europeu de Proteção de Dados Pessoais, em inglês conhecido como General Data Protection Regulation (GDPR), positivou e ampliou o resultado do julgamento de 2014 em seu artigo 17º, que prevê expressamente ao titular de dados pessoais um direito ao “apagamento de dados (ou direito ao esquecimento)” apresentando as hipóteses e limites para aplicação de tal tutela.
A Google, além ter implementado um formulário online para receber pedidos de desindexação de conteúdo, tem cumprido as decisões judiciais que determinam a desindexação dos resultados do buscador perante o território de origem do país que proferiu a decisão.
Entretanto, a Autoridade de Proteção de Dados Francesa, a CNIL (Comissão Nacional de Informática e Liberdade), entende que tal providencia não é suficiente. Isso porque, segundo seu entendimento, pessoas localizadas na UE ainda poderiam encontrar um link retirado no google.fr – que é o Google francês – se ainda estivesse listado em outra versão do buscador, como na versão estadunidense google.com.
A fim de atender aos pedidos da Autoridade francesa a Google passou a usar a tecnologia geoblocking para controlar o que os usuários podem ver por meio de sua geolocalização. Sob o novo sistema, a Google não apenas remove os links do google.fr, mas também impede que os usuários na França vejam esses links em outras versões do buscador da Google (a menos que eles usem ferramentas como redes privadas virtuais – VPNs – para disfarçar seus locais de origem).
Mesmo com o bloqueio geográfico implementado pela Google, a CNIL entendeu que a providência ainda não era suficiente e multou a empresa em € 100.000 (cem mil euros) por não ter removido o nome de um indivíduo de todos os seus domínios pela Internet. A Google argumenta que nenhum país deveria ter autoridade para ditar o que o outro país poderia acessar e, portanto, apelou então ao TJCE para que a multa seja anulada.
Diante desse imbróglio, o recém-publicado parecer do Advogado Geral da União Europeia sugere a limitação territorial da aplicação da desindexação do resultado de busca e entende que o bloqueio geográfico realizado seria suficiente para proteger os direitos da personalidade dos cidadãos.
Segundo as recomendações do Advogado Geral da União Europeia Maciej Szpunar:
Szpunar ponderou que a Diretiva nº 95/46, que fundamenta o direito de desindexação questionado, tem o seu âmbito de aplicação perante o território europeu, devendo, portanto, ter essa fronteira como limite de aplicação.
Contudo, o Advogado Geral não exclui a possibilidade de um buscador ser obrigado a tomar ações para promover a desindexação em nível mundial em determinadas situações excepcionais e, como exemplo, cita casos de direito concorrencial, marcas e também casos em que existam acordos internacionais2.
A opinião do Advogado Geral não é vinculativa, mas o seu parecer influencia a tomada de decisão do Tribunal Europeu. Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Cambridge aponta que em 70% dos casos o Tribunal segue a opinião manifestada pelo Advogado Geral – não obstante a opinião não ter sido seguida no caso Costeja x Google Espanha, que deu origem ao chamado “direito ao esquecimento”, em que o Advogado Geral da época fez recomendações que não foram seguidas pela Corte.
O Brasil também já debate o tema. Em inúmeros casos podemos verificar o pleito para que a desindexação ou remoção de conteúdo alcance efeitos transnacionais. O Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, já se manifestou no sentido de que a aplicação das decisões de desindexação devem se limitar ao território brasileiro, em especial, com base no que prevê o art. 16º do Código de Processo Civil, que dispõe que “a jurisdição civil é exercida pelos juízes e pelos tribunais em todo o território nacional, conforme as disposições deste Código”3.
Se os pedidos de desindexação ou remoção de conteúdo já representam um difícil conflito a ser sopesado entre os Princípios de Liberdade de Expressão e de Informação e Direitos da Personalidade, com maior razão, a determinação de desindexação ou remoção global apresenta dificuldades e barreiras ainda maiores, tais como:
A respeito do tema, leciona Carlos Affonso Pereira de Souza que se confirmada a obrigação “de remoções globais, um juiz da Tailândia, onde é crime criticar a realeza, poderá impor os padrões de discurso do seu país para além de suas fronteiras e apagar conteúdos da Internet global. O mesmo vale para governos de países que se empenham em perseguir blogueiros e proibir memes. Nivelaremos a liberdade de expressão global pelo seu nível mais baixo de proteção.”4
O InternetLab, centro de pesquisa independente que debate questões relacionadas a direito e tecnologia, apresentou fundamentada opinião a respeito do caso e concluiu que “a implementação de um direito a ser desindexado deve levar em consideração as externalidades negativas e os efeitos inibidores que isso pode impor sobre a liberdade de expressão e o acesso à informação no mundo inteiro. Neste sentido, como regra geral, a adoção de mecanismos de bloqueio geográfico parece ser mais apropriada do que propostas de desindexação global”.
Ademais, vale observar que apesar da aparente concentração de mercado em que o Google figura como o atual buscador favorito dos usuários, a efetividade da decisão que determina a remoção global de conteúdo também pode ser questionada em virtude de sua baixa efetividade, uma vez que ainda seria possível encontrar os mesmos resultados por meio da pesquisa realizada em outros mecanismos de busca, como Yahoo, Bing ou DuckDuckGo.
Proferido o parecer do Advogado Geral da União Europeia no sentido de que a desindexação deve ser respeitar os limites territoriais, em breve, o TJUE deve proferir a sua decisão final a respeito do caso e, não há dúvida, de que tal decisão representará um precedente de grande influência para os Tribunais de todo o mundo.
O debate não é simples e existem variáveis que podem influenciar a decisão do Tribunal europeu a respeito da ponderação dos valores em conflito. Mas, fato é que tal decisão vai moldar o futuro da Internet e a forma que obtemos acesso à informação. Em todo caso, que o Tribunal possa sopesar sabiamente os interesses envolvidos e seguir as boas recomendações de seus pares.
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1 Ao contrário do que prevê o Marco Civil da Internet em seu art.19, §1º, que dispõe sobre a necessidade de ordem judicial para imputação da responsabilidade civil dos provedores de aplicação.
2 Observa-se que a Suprema Corte do Canadá já determinou a remoção global em caso que versava sobre Propriedade Intelectual, a saber: https://scc-csc.lexum.com/scc-csc/scc-csc/en/item/16701/index.do.
3 Como exemplo é possível encontrar as seguintes decisões que delimitaram o escopo territorial da remoção de conteúdo: (i) TJSP, 4ª Câmara de Direito Privado. Agravo de Instrumento n.º 2059415-21.2016.8.26.0000, Des. Rel. Natan Zelinschi de Arruda. J. em 11.08.2016; (ii) TJSP; Apelação 1054138-03.2014.8.26.0100; Rel.Salles Rossi; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; J. em 05/04/2017 e; (iii) TJSP; Apelação 0034813-88.2016.8.26.0100; Rel. Luiz Antonio Costa; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado, J. em 25/10/2017.
4 A esse respeito, Carlos Affonso Pereira de Souza: “Direito ao esquecimento: o mundo todo precisa esquecer?”. Disponível em : https://www.huffpostbrasil.com/instituto-de-tecnologia-e-sociedade/direito-ao-esquecimento-o-mundo-todo-precisa-esquecer_a_21691049/.
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