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Sandboxes funcionam como uma via de mão dupla entre a iniciativa pública e privada
Há pouco mais de um ano da instituição do Laboratório de Inovações Financeiras – projeto conjunto da Associação Brasileira de Desenvolvimento, do Banco Interamericano de Desenvolvimento e da Comissão de Valores Mobiliários – já se percebe os frutos deste esforço conjunto pelo desenvolvimento do setor financeiro-tecnológico brasileiro. O seu Grupo de Trabalho de FinTechs vem discutindo a possibilidade de implantação de um modelo de Regulatory Sandbox (“caixa de areia regulatória”) seguindo a experiência britânica, podendo o Brasil tomar posição de líder nesta inovação na América Latina. O Brasil já é detentor de 32,7% de toda a atividade de startupsfinanceiras nesta região do continente1, assim, espera-se que, com esta proposta, o aporte de investimentos estrangeiros e de grandes empresas nacionais nas FinTechs, cresça exponencialmente.
As FinTechs (“Finance and Technology”) são startups que prestam serviços financeiros pautados na inovação tecnológica, a fim de desburocratizar e expandir de forma célere o acesso de produtos financeiros à sociedade de modo geral. Prestam serviços tanto para pessoas físicas quanto jurídicas, compreendendo serviços mais comuns como fornecimento de cartão de crédito, meios de pagamento, financiamentos, transferência de recursos, e como serviços mais especializados, a implementação de plataformas para que o cliente possa gerenciar suas contas de forma descomplicada.
Nos grandes meios de comunicação do setor financeiro, as startups financeiras têm sido consideradas como “a indústria mais importante do momento” em escala global. Tornaram-se uma tecnologia disruptiva que dominou um setor do mercado de maneira predatória, aproveitando o crescimento nos investimentos em tecnologia e inovação das últimas décadas. Entretanto, foi somente com a entrada do investimento maciço dos bancos nos negócios destes novos players, que o setor se modificou por completo, e permitiu que se verificasse um maior protagonismo das FinTechs no cenário financeiro atual.
Apesar da aparente concorrência entre FinTechs e os grandes bancos, estes estão receptivos com o novo setor, investindo em parcerias e investimentos. Um estudo da “Big-Four” KPMG, indicou que até meados do segundo semestre de 2018, o investimento global em startups financeiras, advindas de bancos e empresas financeiras, chegou à cifra de 57,9 bilhões de dólares2. Contando com o apoio do setor privado, o sistema regulatório não ficou de fora, beneficiando as startups financeiras com políticas que propiciam o desenvolvimento do setor, figurando estes sujeitos disruptivos como pioneiros na aproximação entre “o velho e o novo”. E neste momento de diálogo entre as instituições, contextualiza-se a iniciativa do Regulatory Sandbox brasileiro.
Essencialmente, estas “caixas de areia regulatórias” são programas de prazo determinado, que permitem que FinTechs em estágio inicial testem suas ofertas em um ambiente de mercado limitado, sob supervisão regulatória dos órgãos competentes, mas sem precisarem estar totalmente licenciadas e submissas às incontáveis normas reguladoras de inovações tecnológicas atuais. Embora este modelo já seja amplamente utilizado em diferentes ambientes como a tecnologia da informação em outros países (como o Reino Unido, Austrália, Singapura e Hong Kong), sua a utilização no setor financeiro é relativamente recente.
A ideia veio em resposta aos desafios originados pelo advento de produtos e serviços oferecidos por FinTechs, que se utilizam de inovadoras, e cada vez mais complexas, técnicas e instrumentos tecnológicos. Para estas plataformas, a incerteza em torno da ordem legal e os requisitos aplicáveis às suas atividades, tornam-se barreiras para seu desenvolvimento. Segundo um estudo da consultoria PwC, 86% dos responsáveis por instituições financeiras consideram o excesso de regulamentação a principal ameaça à expansão de seus negócios, somando-se ao fato de considerarem a legislação regulatória muitas vezes ambígua ou obscura3.
No entanto, qual a vantagem desta proposta para os atores envolvidos neste cenário financeiro (reguladores e FinTechs)?
Os sandboxes funcionam como uma via de mão dupla entre a iniciativa pública e privada. Portanto, o seu objetivo é garantir um ambiente favorável ao desenvolvimento de tecnologias, ao mesmo tempo em que possibilita aos órgãos reguladores uma melhor compreensão da complexidade e dinamicidade destas tecnologias disruptivas.
Nesse sentido, essa forma de regulação surge como uma alternativa aos meios regulatórios já existentes, os quais, muitas vezes, não conseguem acompanhar a evolução das novas tecnologias que emergem. Assim, sandboxes visam à instituição, por um período de tempo, de um ambiente controlado por regras, previamente acordadas, para flexibilizar as normas regulatórias já vigentes, possibilitando que startups atuem de maneira maximizada, ou seja, cumprindo na íntegra a finalidade pela qual foram criadas sem incorrerem em infração legal ou regulatória.
Consequentemente, isso leva à redução dos custos de transação dessas empresas, uma vez que essas não precisam, imediatamente, adaptar-se aos requisitos regulatórios. Isso somado a redução de riscos da atividade, decorrente do ambiente controlado em que elas estão inseridas, aumenta a atração de investimento para esse novo setor da economia, impulsionando, assim, o seu desenvolvimento e, como resultado, concretiza-se de forma mais célere esse tipo de inovação no país.
Por outro lado, o fato de as FinTechs atuarem de forma maximizada faz com que os atores reguladores que acompanham suas atividades tenham a real impressão dos seus efeitos dentro da economia e da sociedade. Nessa toada, o sandbox aproxima o regulador do regulado, facilitando a percepção de quais fatores devem realmente sofrer interferência regulatória, melhorando, com isso, a curva de aprendizado a respeito das formas de negócio inovadoras que poderão ser utilizadas posteriormente para uma proposição de tratamento regulatório definitivo4.
Desse modo, a não instituição de um regime como o de sandbox pode levar essas novas tecnologias a permanecerem em uma “zona cinzenta”, a margem do modelo regulatório que conhecemos atualmente, uma vez que é possível que não haja um enquadramento perfeito para as FinTechs.
Paralelamente, o aludido regime origina riscos. O primeiro deles consiste na sinalização dada ao mercado. Pois, o fato de as FinTechs inseridas no sandboxnão estarem plenamente reguladas pode levar o mercado a entender erroneamente que essas estão em situação de vantagem em relação aos outros entes que integram o mercado financeiro, estimulando-os a se retirarem do ambiente regulado para atuarem. Ocorre que, pelo sandbox ser um regime temporário, ao final as empresas passam a se submeter a algum tipo de regulação, com isso esse risco acaba sendo minado de certa forma.
Por fim, deve-se considerar que existem situações em que um mesmo serviço é prestado por empresas de regimes distintos. Dessa maneira, o sandbox poderia ser responsável por um tratamento diferenciado sem justa causa para um mesmo serviço, gerando desvantagem concorrencial às empresas que já são enquadradas em algum regime regulatório existente. Portanto, é necessário atentar-se para o estabelecimento de condições equitativas entre as empresas emergentes e as já consolidadas, de forma que a inovação seja democratizada para o sistema financeiro como um todo.
A regulação pode impulsionar a atividade criativa, na medida em que elimina assimetrias de informação e estabelece regras básicas que asseguram condições justas, geram confiança e evitam distorções de mercado. Os Regulatory Sandboxes oferecem um cenário em que entidades podem testar produtos ou serviços inovadores antes de serem oferecidos em massa no mercado, enquanto órgãos regulatórios monitoram suas operações.
No fim, tudo se resume à flexibilidade inovadora, permitindo que soluções individuais sejam oferecidas e modificações ou ajustes sejam feitos, tornando o sandbox uma ferramenta ideal para entender como a disrupção de setores imensamente dinâmicos funcionam. Embora seja necessário que os reguladores certifiquem que este sistema irá operar sob a égide da proteção do consumidor – e não perder-se na “areia movediça” da inovação financeira – esta proposta apresenta-se extremamente benéfica à dinâmica do mercado de inovação, e saudável à frágil economia atual.
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1 HERRERA, D.; VADILLO, S. Regulatory Sandboxes in Latin America and the Caribbean for the FinTech Ecosystem and the Financial System. Inter-American Development Bank, Institute for Development Sector Discussion Paper nº IDB-DP-573, March 2018.
2 Disponível em: <https://assets.kpmg.com/content/dam/kpmg/xx/pdf/2018/07/h1-2018-pulse-of-fintech.pdf>. Acesso em: 06 Dez. 2018.
3 Disponível em: <https://www.pwc.com/gx/en/industries/financial-services/assets/pwc-fintech-exec-summary-2017.pdf>. Acesso em: 06 Dez. 2018.
4 FILHO COUTINHO, Augusto. Regulação ‘Sandbox’ como instrumento regulatório no mercado de capitais: principais características e prática Internacional. Conteúdo da Revista Digital de Direito Administrativo. Jul/2018. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/rdda/article/view/141450/146135>. Acesso em: 09 Dez. 2018.
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