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As apresentações que Neal Suggs, vice-presidente mundial da Microsoft Corporation e Alessandra Del Debbio, vice-presidente da Microsoft no Brasil, fizeram, há dias, no Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes), sobre a transformação digital no direito, merecem o sumário abaixo[1].
Provavelmente, a expressão “quarta revolução industrial” já não deve ser nova nesta altura do debate. Ela, que foi cunhada por Klaus Schwab — Fórum Econômico Mundial —, nos idos de 2016, para tratar da “technological revolution that will fundamentally alter the way we live, work, and relate to one another[2]”, tem sido recorrentemente mencionada e trazida para a conversa, dada a sua relevância, não somente de impacto em nossas vidas, como também pela sua escala, abrangência e complexidade. Iniciou-se no bojo da terceira revolução industrial, então chamada de Revolução Digital, que mudou radicalmente a sociedade, as formas de comunicação e o estado do mundo globalizado.
No universo profissional e dos negócios, essa revolução tem-se desdobrado no que foi chamado de “transformação digital”. Isso porque negócios — tradicionais ou não — estão sendo direta e rapidamente afetados por novas tecnologias. A economia caminha no ritmo da digitalização, e todos os seus setores, sejam públicos ou privados, passam a formar a “economia digital”, que nada mais é do que a própria economia, já tendo passado, ou passando pelo processo de transformação digital.
Isso é, a economia, no centro dessa nova revolução, também se transforma de maneira absoluta em sua nova forma: a economia digital. Considerando o tratamento de dados como aspecto central desse modelo, também é, por vezes, referida como economia baseada em dados, ou data-driven economy.
Tal processo de transformação tem sido possível pelo desenvolvimento e facilidade de acesso a novas tecnologias. A computação em nuvem acaba se destacando como aquela que essencialmente permeia e potencializa esse processo.
Permitindo poder computacional sem precedentes, a computação em nuvem viabiliza a manipulação de enorme quantidade de dados, substancial barateamento do acesso a tal poder de computação, facilidade de uso — seja do ponto de vista técnico, seja do ponto de vista de sua administração —, e um novo marco em segurança da informação, dada a velocidade de atualização de software e o investimento pesado em pesquisa e recursos nessa área [3].
Cada um destes aspectos acaba acelerando a transformação digital, seja por permitir a negócios tradicionais, inclusive governos, buscar inovação e segurança; seja por possibilitar a entrada de novas empresas e de novos modelos de negócio. Em um caso ou no outro, democratiza o acesso e eficiência da computação e dos serviços que se utilizam dela. Isso se desdobra potencialmente em maior competitividade, universalização e melhoria de serviços, em novo referencial em segurança da informação, novos modelos econômicos e de negócios e a ruptura de formas de interação e interface com usuários antes homogêneos.
No entanto, a parte mais interessante da computação em nuvem não se encontra no poder de hardware ou infraestrutura somente, ou seja, no seu modelo mais básico de infraestrutura como serviço. Seu maior poder como tecnologia encontra-se a partir de seu modelo de plataforma como serviço, ou seja, a soma desse poder de infraestrutura computacional com softwarese soluções de ponta, criando serviços dos mais diversos, que servem como plataforma para a criação e desenvolvimento de novas soluções por seus contratantes. Entre eles, estão os serviços cognitivos e a possibilidade de uma efetiva inteligência artificial. Graças ao poder da computação em nuvem, a algoritmos avançados e à capacidade de análise de dados, esse campo da tecnologia explodiu; e os serviços — que se utilizam de inteligência artificial — estão cada vez mais presentes no nosso cotidiano.
Outro serviço baseado em nuvem que se destaca é o blockchain, que tem obtido notoriedade nos últimos tempos, especialmente por conta do bitcoin, que é uma das moedas virtuais que utilizam a tecnologia do blockchain. Apesar de normalmente ser mencionado em referência a moedas virtuais, o blockchain é uma tecnologia que revoluciona a forma como transações são efetuadas — na verdade, ele revoluciona a forma como se faz contratos, por ser tecnologia que dá maior segurança aos registros e forma de contabilidadede transações.
Todos estes aspectos influem na transformação digital da economia, a tal ponto que empresas passam a existir como — e se transformam em — empresas de soluções digitais, independentemente do tipo de negócio a que se dedica. O mesmo é verdadeiro para governos e profissões de forma geral. Ocorre que o processo de transformação digital deve afetar profundamente as relações de trabalho, e tipos de atividades que nós, seres humanos, hoje nos dedicamos. Seja porque há a chance de automação de determinadas funções, seja porque os conhecimentos exigidos para se atuar mudam da mesma forma.
Em tal contexto, o mundo jurídico não está de fora. Fato é que a transformação digital está ocorrendo neste exato momento também nessa área.
Essa transformação acontece desde o uso de ferramentas de produtividade cada vez mais avançadas e que oferecem maiores oportunidades de criação e de segurança, como o Office 365, da Microsoft; como pela mudança da estrutura de um escritório de advocacia ou de departamento jurídicos de empresas; a digitalização do Judiciário e de processos; até o emprego das novas tecnologias em suas diversas formas.
Advogados frequentemente lidam com informações confidenciais e sensíveis de seus clientes, sendo alvos atraentes de ataques cibernéticos. A segurança da informação passa a merecer novo patamar de atenção no setor — o que parece ainda ser ignorado pela classe.[4]
Não se trata apenas de mudança unicamente estrutural, no entanto. O exercício das profissões e funções de trabalho no setor jurídico devem passar por transformações também.
Imagine-se a profissão de advogado e quanto não seria alterada a sua forma de trabalho, a partir do momento em que existem ferramentas baseadas em inteligência artificial como apoio e suporte para análise de documentos, identificação de pontos relevantes, de sintetização e pesquisa histórica de jurisprudência e argumentos jurídicos ou de leis.
Na área empresarial, como poderia ser a gestão de processos judiciais ou de contratação de escritórios de advocacia, como uma análise macro de toda a base de dados relacionada a tais processos e atividades contratadas?
Considere-se, também, tecnologias como o blockchain, que tem o potencial de alterar profundamente a maneira pela qual os contratos são negociados, concluídos e executados. Ou mesmo como a solução de litígios relativa a tais contratos pode ser feita. Nesse contexto mostra-se claramente a necessidade de novos conhecimentos para a profissão. À medida que o contrato se traduz em algoritmos e programação, certo nível de conhecimento no assunto será requerido do advogado, para que ele seja capaz de prover consultoria jurídica sobre o contrato e atender as necessidades de seu cliente.
Ferramentas de mediação de conflitos começam a aparecer e encontrar taxas de resolução maiores do que por outros meios. Legaltechs surgem como alternativa e oferta de serviços jurídicos tradicionais. Exemplos não param por aí.
O universo jurídico está, também, passando pela transformação digital. Ainda que o tema pareça recente, as mudanças empreendidas por esta nova revolução industrial têm acontecido a velocidade sem precedentes. Preparar-se para esta nova realidade é fundamental para que as oportunidades sejam aproveitadas ao máximo e desafios sejam superados.
[1] As aulas foram prelecionadas no Curso de Especialização em Direito e Economia dos Negócios, do CEDES, que contou também com o apoio de Elias Abdala Neto, gerente da Microsoft no Brasil.
[2] https://www.weforum.org/agenda/2016/01/the-fourth-industrial-revolution-what-it-means-and-how-to-respond/.
[3] A título exemplificativo, a Microsoft conta um investimento anual de mais de 1 bilhão de dólares em segurança e 3.500 engenheiros dedicados ao assunto.
[4] http://convergecom.com.br/tiinside/seguranca/artigos-seguranca/15/03/2016/por-que-advogados-ainda-ignoram-seguranca-da-informacao/
Por João Grandino Rodas é professor titular da Faculdade de Direito da USP, presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (CEDES) e sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.
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