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Prometeu e o Direito acorrentado

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A obra “Prometeu acorrentado” narra a punição de Prometeu dada por Zeus, após roubar o fogo do Olimpo e entregá-lo à humanidade. Seu irmão Hefesto, mesmo discordando de Zeus, prepara as correntes que aprisionarão eternamente seu irmão. Diante dessa saga apaixonante de um titã imortal que desafia o Olimpo para dar a chama do conhecimento aos seres humanos, nossos olhos se desviam de um problema que parece secundário: o medo.

O medo aprisionou Hefesto numa masmorra mais cruel que a de Prometeu: as cadeias de uma obediência cega o levaram a agir contra sua própria consciência.

Apesar da história se centrar em Prometeu, na sua odisseia e punição, não menos importante é o que acontece na consciência de seu irmão Hefesto. Assim como Hannah Arendt identificou em sua obra que narra o julgamento de “Eichmann em Jerusalém”, o mais perverso do holocausto foi a renúncia a pensar e agir por si mesmo.

A banalidade do mal não é um fenômeno recente. O silêncio dos bons abre as portas para a ação dos funestos. Naquele exato momento em que Hefesto forjava as cadeias que aprisionariam fisicamente seu irmão, um abismo silencioso se abriu encarcerando a alma do deus do fogo.

O medo roubou de Hefesto a coragem, virtude necessária que fez o grito de justiça de Antígona ressoar na humanidade. Uma justiça interior e eterna que superava e lançava novos olhares ao estabelecido na sociedade através da lei.

Prometeu é muito mais do que a história de um titã que se rebela contra o pai de todos os deuses em nome da liberdade e do conhecimento. É a história de como em nome da ordem já estabelecida aprisionamos o conhecimento; em nome do medo de agir e pensar diferente nos fechamos a novos caminhos e nos deixamos assolar por injustiças.

Hefesto obedece, não questiona o estabelecido, tem medo da punição, segue a ordem, a lei prescrita por Zeus. Em nome da obediência a seu pai, desobedece a si mesmo.

Essa chama prometeica ilumina a humanidade de tempos em tempos. A vimos no nascimento do pensamento filosófico grego; na ordem, arquitetura e Direito dos romanos; na visão de misericórdia de uma fé que brota de uma cruz; no surgimento das cidades na Idade Média; no advento da arte e da ciência moderna no Renascimento.

Hoje, o fogo de Prometeu reaparece através das novas tecnologias. Inteligência artificial, blockchain, impressora 3D, realidade virtual, digitalização da sociedade são algumas das novas chamas que surgem na humanidade. Parece que, diante das coisas criadas pela inteligência humana, impera novamente o medo.

Será o Direito capaz de entender essas novas demandas para restabelecer e engrandecer o exercício da justiça? Tudo indica que o medo já reina. Tudo que é novo é apresentado como inimigo. Parece que através do medo estamos criando correntes que irão aprisionar a nova chama que deseja iluminar a humanidade.

De fato, já estamos acorrentados. Em média, um processo demora oito anos para tramitar na Justiça federal. Cerca de 30% do tempo de um advogado é empenhado em tarefas burocráticas passíveis de automação. São 77 milhões de processos judiciais no Brasil. E os advogados estão em quarto lugar na falta de confiança. A complexidade de nosso sistema judiciário, o amor pelo procedimento, em vez do amor pelo cidadão e o “juridiquês” na comunicação com os leigos são alguns fatores que afastam o cidadão comum da justiça.

Aceitar o dom de Prometeu não significa se entregar a uma tecnocracia burocrática e desumana. É justamente o contrário, as novas tecnologias reverberam hoje como o grito de Antígona, criações humanas nascidas da alma da história, surgem ferramentas necessárias para atender às novas demandas sociais. Não significa colocar o ser humano na periferia da humanidade, mas resgatar e colocar a necessidade de cada pessoa no centro de todo processo jurídico.

Vivemos um momento crucial da humanidade em que temos de decidir se no Direito, em relação às novas tecnologias, iremos seguir a covardia de Hefesto, que em nome do já estabelecido traiu a si mesmo, ou se teremos a coragem de Antígona de ouvir nossa voz interior e desenhar novos caminhos que atendam os profundos anseios por justiça de cada pessoa. Qual será a sua escolha?

Texto original de Daniel da Silva Marques, publicado pela Conjur.

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