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Links patrocinados no Google são campo de batalha entre empresas

Ao buscar por uma empresa, o internauta pode encontrar até quatro links patrocinados antes de chegar no que o Google chama de "resultado orgânico", o site da empresa
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Imagem: Pixabay

Texto original publicado na Folha de S Paulo

Nas gôndolas de supermercado, a indústria que deseja obter maior exposição dos seus produtos costuma pagar para ficar nas prateleiras que estão à altura dos olhos do consumidor. O varejo cobra pela visibilidade do produto. Quem expõe suas mercadorias na prateleira rente ao chão, por exemplo, não paga nada. Tudo para incentivar a compra por impulso.

Na internet, o Google, o maior site de buscas do mundo, descobriu que pode fazer o mesmo. No lugar da prateleira na altura dos olhos, estão os links patrocinados no alto da página.

Se você está procurando por imóveis, por exemplo, pode digitar nomes como Imovelweb, Zap Imóveis e Em Casa, ou digitar o nome de imobiliárias famosas, como Coelho da Fonseca e Lopes. O site de cada uma delas vai aparecer na busca, mas muitas vezes em links no meio ou no final da página.

No topo da busca, surge quem pagou mais pelo espaço: o chamado link patrocinado. A prática é comum, mas virou campo de guerra quando as empresas perceberam que poderiam usar a ferramenta para aparecer primeiro em buscas feitas diretamente pelo nome de seus concorrentes.

Nas buscas feitas pela Folha nos últimos dias por nomes de sites imobiliários, por exemplo, o alto da página de resultados foi ocupado, em diferentes momentos, pela Loft, startup do setor especializada em compra e venda de imóveis, e pela Quinto Andar.

Anúncios do Google redirecionam usuários a marcas concorrentes

Os links patrocinados diferem pouco em aparência em relação ao link comum. O consumidor desavisado facilmente vai clicar em um link, pensando se tratar da empresa que ele buscou, mas acaba direcionado para o site do concorrente. A cada vez que isso acontece, o Google é remunerado.

O recurso é extremamente dinâmico: um link patrocinado pode ficar no ar apenas por algumas horas, apenas para determinada região, e direcionado para um perfil de público específico identificado pelo Google, de acordo com o interesse do anunciante.

Ao buscar por uma empresa, o internauta pode encontrar até quatro links patrocinados antes de chegar no que o Google chama de “resultado orgânico”, o site da empresa.

“O CPC, ou custo por clique, costuma ser bem maior que o CPM, o custo por milhão, que é o valor que o anunciante paga para deixar um banner publicitário em uma página”, diz Deoclides Neto, CEO da Juit, startup especializada no universo jurídico.

“No leilão do Google para venda de links patrocinados, um anunciante pode querer pagar até R$ 5 por um clique em determinada palavra, que pode ser o nome da própria empresa, inclusive. Mas se outro estiver disposto a pagar R$ 25 pelo mesmo clique, é o anúncio dele que estará no topo da busca”, diz.

Para a Justiça brasileira, o comportamento é considerado ilegal, por configurar desvio de clientela, uso indevido da marca e concorrência desleal, com base no artigo 195 da Lei da Propriedade Industrial (9.279/96).

Empresas que veem seu nome sendo preterido em uma busca na internet pelo nome do rival têm recorrido aos tribunais. Levantamento da Juit para a Folha aponta que é crescente o número de decisões judiciais envolvendo links patrocinados ano após ano. Em 2015, por exemplo, foram 26 decisões; no ano passado, 133.

“Apenas em 2020, por conta da pandemia, houve uma desaceleração sobre o ano anterior, uma vez que os tribunais ficaram quase três meses fechados”, diz Neto, ressaltando que, desde 2009 até a segunda semana de fevereiro deste ano, foram 658 decisões na Justiça envolvendo links patrocinados.

A imensa maioria delas é favorável às empresas que se sentiram prejudicadas pela prática. O foco da queixa das reclamantes está no primeiro link patrocinado, que tem a maior capacidade de desvio de tráfego e é o que custa mais caro. As multas, porém, são irrisórias quando se trata de grandes anunciantes: costumam variar de R$ 5.000 a R$ 200 mil.

Um dos casos mais rumorosos, que ainda está em curso, é o do Magazine Luiza e o da Via, dona das redes Casas Bahia e Ponto. Ambas as empresas pagaram para aparecer na busca uma da outra com links patrocinados.

A briga começou na Black Friday, que se tornou a data mais importante do varejo online, antes mesmo do Natal. As duas companhias acabaram entrando na Justiça acusando uma à outra de concorrência desleal, conforme reportagem do jornal Valor Econômico.

Procuradas pela Folha, as empresas dizem que não comentam processos em andamento. A reportagem apurou que os links patrocinados já foram retirados da busca uma da outra.

“Os links patrocinados são muito dinâmicos: a cada hora, um anunciante pode faturar milhões com a exposição”, diz Erich Gioanni, coordenador do MBA em Gestão de Negócios da Faculdade Trevisan.

“Em apenas duas horas na última Black Friday, por exemplo, o Magazine Luiza vendeu 40 mil pares de tênis”, diz. “O tempo que um link patrocinado fica ativo contribui para desviar tráfego, faz toda a diferença para o internauta quem ele encontra no topo do ranking”.

Para Gioanni, a judicialização dos casos vem aumentando porque o comércio eletrônico no Brasil está em ebulição, crescendo ano a ano, e ganhou um novo impulso com a pandemia, o que reforçou a presença das marcas no ambiente virtual.

“O link patrocinado é uma publicidade ostensiva com caráter enganoso –eu procuro uma marca A e caio na B”, diz Patrícia Peck, sócia da Peck Advogados e uma das principais especialistas do país em direito digital.

“Um anúncio que parasita a marca alheia não pode se impor ao direito de informação do consumidor”, diz Patrícia, membro do conselho da ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados), órgão da administração pública que fiscaliza o cumprimento da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais).

Mulher de franja, cabelos castanhos longos, usa terno azul e lenço no pescoço
Especialista em direito digital Patrícia Peck, sócia da Peck Advogados e membro do conselho da ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) – Bruno Santos/ Folhapress

Nos casos que vão parar na Justiça, segundo Patrícia, o Google é notificado a tirar o link do ar.

“Se há negligência do buscador em cumprir a decisão judicial, ele também é responsabilizado, junto com quem contratou o link patrocinado”, diz ela, ressaltando ser muito comum, entre empresas de um mesmo setor –como foi com Magazine Luiza e Casas Bahia– que a prática seja realizada uma contra a outra.

“A nossa orientação é que o anunciante não revide na mesma moeda, que não faça justiça com o próprio mouse, porque há uma responsabilidade ética envolvida”, diz.

Juliana Abrusio, sócia da área de direito digital do escritório Machado Meyer, concorda. “Por mais que seja tentador para o departamento de marketing revidar com outro link patrocinado, a imagem da marca está em jogo”, diz ela.

A responsabilidade é ainda maior em casos de empresas com capital aberto, que seguem regras de governança corporativa, dentro dos preceitos ESG.

“A não ser em casos muito específicos, em que o nome de um anunciante é por coincidência igual ao de outro –o brasileiro grupo SEB de ensino, por exemplo, e o francês grupo SEB, dono da Arno–, o que existe é um aproveitamento parasitário da marca, via links patrocinados”, diz ela, que prevê um novo aumento da judicialização dos casos neste ano.

A Folha apurou que o Google não tem intenção de mudar suas regras para evitar que os casos desemboquem no judiciário. O buscador acredita que a lei brasileira protege demais as marcas e defende uma flexibilização na questão dos links patrocinados.

Em comunicado enviado à Folha, o Google diz que o Google Ads, responsável pela venda de links patrocinados, é uma plataforma que permite que “empresas de todos os tamanhos” se conectem aos consumidores, constituindo uma “prática comum e legítima de concorrência de mercado”.

“O Google não restringe o uso de marcas registradas como palavras-chave, mas limita seu uso no texto do anúncio, o que é permitido apenas ao detentor da marca”, diz.

De acordo com o Google, “o assunto está em franco debate nos tribunais brasileiros”.

Já a Loft –que numa das pesquisas feitas pela Folha apareceu no topo da busca de seis dos seus concorrentes– afirmou que a empresa nunca foi acionada judicialmente pelo uso de links patrocinados.

“Esta é uma prática geral do mercado digital brasileiro, compartilhada por todos os grandes agentes, inclusive no mercado imobiliário, há anos”, diz a Loft. A empresa afirma que deixou de fazer este tipo de anúncio em busca de imobiliárias, “para que essas empresas sigam crescendo seu tráfego ao máximo do seu potencial.”

Ainda no mercado imobiliário, a Folha observou que em buscas por Imovelweb e por Em Casa o link patrocinado do Quinto Andar foi apresentado como primeiro resultado. A Imovelweb afirmou que tem conhecimento da prática, mas não pretende tomar providências, porque “a maioria dos acessos à plataforma é realizada via tráfego orgânico e direto, o que reitera a força da marca”.

A Quinto Andar não quis se pronunciar a respeito.

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