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O alinhamento entre os incentivos oferecidos aos executivos e os objetivos da organização
Ao longo dos 2 últimos anos, temos visto uma ascensão da temática ESG, tanto em âmbito local quanto no exterior, sem precedentes. O surgimento de fundos de investimento que levam em conta seus fatores[1], a criação de índices de ações ESG[2] e até mesmo o uso de critérios ESG para a concessão de empréstimos a empresas solventes se tornaram cotidianos.
O que se quer salientar no presente texto é a mudança paradigmática representada pela alteração da máxima do economista Milton Friedman de que o objetivo de uma empresa deveria ser a maximização de seus lucros, não devendo buscar outros objetivos[3].
Considerando que Ana Frazão fez alentado resumo sobre as discussões trazidas pelo livro Milton Friedman 50 Years Later na coluna Constituição, Empresa e Mercado[4], iremos abordar um ponto crucial para a efetivação de políticas ESG, qual seja, o alinhamento entre os incentivos oferecidos aos executivos e os objetivos de curto, médio e também de longo prazo da organização.
Embora pareça óbvio, e até mesmo um pressuposto, que deva existir um alinhamento que alcance os objetivos da organização, aprendemos dolorosamente com a crise de 2008 que há um descompasso entre as práticas profissionais exercidas com o objetivo Friedmaniano de maximização dos lucros e, do outro lado, os impactos negativos de pequena escala e também sistêmicos que estas práticas podem gerar.
O que se observou, portanto, é que a ausência desta perspectiva, juntamente com a escassez de práticas estruturadas que incentivassem e direcionassem os comportamentos de mercado de modo a evitar externalidades negativas de consequências sistêmicas, como o Efeito Borboleta que teve o primeiro bater das asas através do mercado imobiliário, com subjacente suporte da indústria bancária e de seguros[5].
Uma nova Ordem Ética do Pós-Crise, é assim que Stefan Leins se refere às práticas de investimentos responsáveis incentivadas pelas técnicas de avaliação ESG[6]. E esta nova Ordem Ética tem como fator estruturante sua própria linguagem. Os analistas financeiros, que hoje lidam com essas práticas têm a possibilidade de pensar dentro do código das finanças. A linguagem ética do ESG é traduzida em cálculos. Assim, as problemáticas que até então se reproduziam por uma ausência de responsabilidade social corporativa hoje vem sendo superadas graças a métricas objetivas reunidas no ESG.
E é neste sentido que também surge no mercado um novo quociente, derivado das métricas ESG[7], a remuneração variável dos executivos passa a ser valorizada uma vez que as práticas e resultados obtidos pela gestão destes estejam em conformidade com estas métricas.
Apesar deste movimento do mercado, o que consideramos um próximo passo necessário ao mercado, de modo a garantir a minimização de possíveis impactos sistêmicos, como o que observamos em 2008, é a vinculação desta remuneração variável à geração de valor no longo prazo, tornando este último ainda mais expressivo que o cumprimento dos resultados de curto prazo.
Tal como visto rotineiramente no cenário de startups, nas quais os incentivos da alta direção junto aos funcionários estratégicos são traduzidos em participação acionária, cuja aquisição é diluída ao longo de anos, somado ao cumprimento de metas (que inclusive podem considerar fatores ESG) e alinhamento cultural, é preciso intensificar esse alinhamento de interesses nas grandes empresas.
Ao longo dos últimos anos, viu-se a proliferação de casos nos quais companhias sofreram enormes danos financeiros e reputacionais causados pelo resultadismo ou foco no curto prazo, variando desde fraude contábil na qual houve pagamento de bônus aos executivos sem que houvesse o real atingimento das metas acordadas, passando por acidentes ambientais de grande magnitude e custo multibilionário até mesmo agressões aos consumidores no setor alimentício[8].
Os casos são frequentes e notórios demais para que seja necessário descrevê-los minuciosamente, mas o que chama a atenção entre esses casos, externamente tão distintos entre si, é a desconsideração de riscos (alguns mesmo existenciais) a que as companhias estavam sujeitas e que não foram mitigados adequadamente pela sua diretoria em privilégio de uma visão de curto prazo.
E é neste momento que ESG e visão de longo prazo se encontram. A ascensão do chamado Stakeholder Capitalism[9] em detrimento do Shareholder Capitalism[10], ou seja, a valorização dos interesses de consumidores, meio ambiente, comunidades vizinhas, empregados e cadeia de fornecimento já indica uma mudança de rumo na qual danos reputacionais e legais são mitigados.
O reconhecimento do impacto prejudicial à reputação e até mesmo ao valor das companhias de escândalos nas relações trabalhistas, trato com os clientes e meio ambiente representa uma mudança de padrão, com a valorização do cumprimento da legislação, monitoramento e mitigação de riscos a todos os stakeholders relevantes, somente tendo a ganhar com um maior alinhamento de interesses entre a cúpula das organizações e seus acionistas.
Um exemplo dramático de companhia penalizada pelo mercado em razão do seu foco em resultados de curto prazo em detrimento do longo prazo é a Boeing. Após a sucessão de acidentes com os aviões 737 Max, houve amplo escrutínio sobre a perda de uma cultura de excelência técnica na Boeing em favor do valor das ações da empresa, resultando em decisões tecnicamente contestáveis[11].
Ilustrativo dessa tendência o excerto abaixo:
“[…] Quarto, foi uma mudança nas prioridades do CEO e do conselho de administração. Em 2005, James McNerney se tornou o primeiro executivo-chefe da Boeing a não ser engenheiro e ocupou esse cargo até 2015. McNerney tinha um MBA em Harvard, havia trabalhado na McKinsey e na Proctor & Gamble antes de se tornar presidente da GE Aircraft (que fabricava motores a jato) e então CEO da 3M. Sua experiência era em estratégia e marketing, e ele veio para melhorar o desempenho financeiro. O desenvolvimento do 737 MAX começou em 2011, sob a direção de McNerney. O avião entrou em serviço em 2017 sob o comando de outro CEO, Dennis Muilenburg, que ocupou esse cargo de 2015 a 2019. Muilenburg era um engenheiro que passou toda a sua carreira na Boeing. No entanto, de acordo com o atual CEO da Boeing, David Calhoun, Muilenberg continuou com a estratégia de McNerny e empurrou agressivamente as vendas e produção do 737 MAX.7 Os acionistas da Boeing mais tarde entrariam com processos em junho e setembro de 2020, alegando que Muilenburg enganou o conselho de administração sobre a seriedade dos problemas do 737 MAX enquanto a diretoria era negligente em monitorar o projeto, o desenvolvimento e os relatórios de segurança”. (Tradução Nossa)[12]
Como resultado, houve cancelamento de encomendas de aviões e a perda da primazia do mercado para a Airbus. Embora nem sempre o desalinhamento de interesses no longo prazo entre diretoria e acionistas produza efeitos tão catastróficos, com investigações em âmbito nacional e internacional, mortes de clientes e prejuízos bilionários, esses casos dramáticos ilustram de modo bastante vigoroso a necessidade de se buscar um modo de remuneração dos executivos que contribuam para a perenidade do negócio.
A história que precede o surgimento dos critérios ESG demonstra que há muito a sociedade e os investidores observam o comportamento sócio-ambiental das organizações. Na década de 1970, um dos maiores desinvestimentos da história, pautado por motivações éticas, foi observado durante o desumano regime de apartheid da África do Sul[13].
Ao contrário da tese de Friedman, de que a integração de métricas ESG na tomada de decisão corporativa seria um fator de redução da performance, relatórios das principais instituições financeiras da última década apontam o contrário. Há, na verdade, um processo de maximização da performance financeira, sobretudo quando analisada em uma perspectiva de longo prazo[14].
Que a ascensão da temática ESG e da valorização dos stakeholders seja um ponto de mudança na cultura de remuneração dos executivos, promovendo uma cultura de mitigação de riscos que garanta a perenidade e solvência das companhias.
[1] HILL, John. Environmental, Social, and Governance (ESG) Investing: A Balanced Review of Theoretical Backgrounds and Practical Implications. 2020.
[2] ATAN, Ruhaya et al. The impacts of environmental, social, and governance factors on firm performance. Management of Environmental Quality: An International Journal, 2018. Disponível em: https://www.emerald.com/insight/content/doi/10.1108/MEQ-03-2017-0033/full/html . Acesso em: 17 mai 2021.
[3] COY. Peter. Revisiting Milton Friedman’s Critique of Stakeholderism. Disponível em: https://www.bloomberg.com/news/articles/2020-09-11/milton-friedman-s-attacked-stakeholder-capitalism-before-it-was-popularAcesso: 16 mai. 2021
[4] FRAZÃO, Ana. Capitalismo de stakeholders e investimentos ESG: parte 1. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/capitalismo-de-stakeholders-e-investimentos-esg-28042021 Acesso: 16 mai. 2021
[5] RUI-HONG, D. On “Butterfly effect” A financial creation of financial crisis in USA. Journal of Lanzhou Commercial College, v. 4, 2009. Disponível em: https://en.cnki.com.cn/Article_en/CJFDTotal-SXGZ200904015.htm . Acesso: 17 mai.2021
[6] LEINS, Stefan. ‘Responsible investment’: ESG and the post-crisis ethical order. Economy and Society, v. 49, n. 1, p. 71-91, 2020. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/03085147.2020.1702414 . Acesso em: 16 mai. 2021
[7] Veja-se por exemplo: AZEVEDO, Flávia. Indicadores ESG podem ser usados como critério de remuneração de empregados?. Disponível em: https://vocesa.abril.com.br/carreira/indicadores-esg-podem-ser-usados-como-criterio-de-remuneracao-de-empregados/ Acesso: 16 mai. 2021
[8] GLOßNER, Simon. The price of ignoring ESG Risks. Available at SSRN 3004689, 2018. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3004689 . Acesso: 16 mai. 2021
[9] FAMA, Eugene F. Contract costs, stakeholder capitalism, and ESG. European Financial Management, v. 27, n. 2, p. 189-195, 2021. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/eufm.12297. Acesso: 18 mai 2021.
[10] HIROTA, Shinichi. Corporate finance and governance in stakeholder society: Beyond shareholder capitalism. Routledge, 2015.
[11] USEEM, Jesse. The Long-Forgotten Flight That Sent Boeing Off Course: A company once driven by engineers became driven by finance. Disponível em: https://www.theatlantic.com/ideas/archive/2019/11/how-boeing-lost-its-bearings/602188/ Acesso: 16 mai. 2021
[12] CUSUMANO, Michael A. Boeing’s 737 MAX: A Failure of Management, Not Just Technology. Disponível em: https://cacm.acm.org/magazines/2021/1/249448-boeings-737-max/fulltext Acesso: 16 mai. 2021. Tradução nossa. Trecho original: “[…] Fourth, was a change in priorities at the CEO and board of director levels. In 2005, James McNerney became the first Boeing chief executive not to be an engineer and he held this position until 2015. McNerney was a Harvard MBA who had worked at McKinsey and Proctor & Gamble before becoming president of GE Aircraft (which made jet engines) and then CEO of 3M. His expertise was in strategy and marketing, and he came in to improve financial performance. The 737 MAX development began in 2011, under McNerney’s direction. The plane went into service in 2017 under another CEO, Dennis Muilenburg, who held this job from 2015 to 2019. Muilenburg was an engineer who had spent his entire career at Boeing. However, according to the current Boeing CEO, David Calhoun, Muilenberg carried on with McNerny’s strategy and aggressively pushed sales and production of the 737 MAX.7 Boeing shareholders would later file lawsuits in June and September 2020 claiming that Muilenburg misled the board of directors about the seriousness of the 737 MAX problems while the board was lax in monitoring the design, development, and safety reports.”
[13] PATTEN, Dennis M. The market reaction to social responsibility disclosures: The case of the Sullivan principles signings. Accounting, Organizations and Society, v. 15, n. 6, p. 575-587, 1990. Disppnível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/036136829090035S .Acesso em: 18 de mai de 2021
[14] Barnett, Michael L. and Salomon, Robert M., Beyond Dichotomy: The Curvilinear Relationship between Social Responsibility and Financial Performance (2006). Strategic Management Journal, Vol. 27, No. 11, pp. 1101-1122, September 2006, Disponível em: SSRN: https://ssrn.com/abstract=885950. Acesso em: 18 de mai de 2021
[i] Andreu Wilson é Presidente da OPEN, Chief Diversity Officer (CDO) e Sócio de Lima ≡ Feigelson Advogados. Doutorando (2018-2022) e Mestre (2016-2018) em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio.
[ii] Tayná Carneiro é Diretora de Educação da Future Law. Vice-presidente da Organização pela Equidade Negra (OPEN). Editora-chefe da Revista de Direito e as Novas Tecnologias (RDTec). Doutoranda em Direito (USP), Mestre e Bacharel em Direito (UERJ).
ANDREU WILSON – Chief Diversity Officer (CDO) e Sócio de Lima ≡ Feigelson Advogados. Doutorando (2018-2022) e Mestre (2016-2018) em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio.
TAYNÁ CARNEIRO – Vice-presidente da OPEN, Mestre (UERJ), Doutoranda (USP) e Diretora de Educação da Future Law.
Fonte: JOTA
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