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Quando a China anunciou a ofensiva ao comércio de bitcoins, em maio, Kevin Pan, executivo da empresa de criptomoedas chinesa Poolin, tomou um voo no dia seguinte para deixar o país. “Decidimos nos mudar de uma vez por todas e para sempre. Não voltaremos”, disse Pan à BBC. Com sede em Hong Kong, a Poolin é a segunda maior rede de bitcoins do mundo, com a maior parte de suas operações na China. O país detinha cerca de 70% do poder mundial de mineração de bitcoin, até que, a partir de maio, a repressão do governo chinês a esse tipo de negócio fez o preço das criptomoedas despencar e pegou os empresários do setor desprevenidos. Autoridades chinesas argumentaram que as critpomoedas estavam “perturbando a economia local e a ordem financeira”, que os altos e baixos nos preços “violam seriamente a segurança dos ativos das pessoas” e que o modelo em vigor favorece transferências ilegais e lavagem de dinheiro. Acredita-se que a China também esteja querendo proteger sua própria moeda digital, lançada em abril para testes.
Agora, os “refugiados dos bitcoins” da China estão tentando encontrar, com urgência, novos locais para se instalar, seja no vizinho Cazaquistão, na Rússia ou na América do Norte – porque, para os ‘mineradores’ de bitcoin, tempo é literalmente dinheiro. “Tivemos que encontrar uma nova localização para as máquinas”, disse o vice-presidente da Poolin, Alejandro de La Torre. “Cada minuto com a máquina parada não gera dinheiro.”
Naquilo que alguns chamam de “grande migração da mineração de criptomoedas”, os executivos da Poolin estão entre os muitos empresários do setor de bitcoins que desembarcaram recentemente no Velho Oeste americano, principalmente em Austin, no Texas – que está rapidamente se convertendo em um polo mundial de criptomoedas. Bitcoin é uma moeda digital, sem forma física. Essas moedas só existem e são trocadas online. São criadas quando um computador “extrai” o dinheiro, resolvendo um conjunto de complexos programas matemáticos. É assim que os “mineradores” de bitcoins, que manejam esses computadores, ganham com a moeda.
Por ser um novo modelo de dinheiro, que transcende as fronteiras nacionais, também gera muita confusão e potencial de entrar em conflitos com regras governamentais. É por isso que as duas coisas que os empresários de bitcoin mais valorizam são: eletricidade barata e um ambiente de baixo controle regulatório – O Estado do Texas se encaixa bem nesses requisitos.
Nova fronteira para a mineração de bitcoin
Pan diz que o Texas o recebeu calorosamente. Dias depois de sua chegada, foi presenteado com um rifle AR-15. Ele disse que poderá usar a arma um dia para caçar cerdos a bordo de um helicóptero. Se os campos de tiro e os churrascos texanos são vistos como um entretenimento, o maior atrativo para os mineradores de bitcoins é a proteção legal para suas empresas.
“O que nos aconteceu na China não acontecerá nos EUA”, diz seu colega De La Torre.
O governador do Texas, Greg Abbott, é um defensor das criptomoedas. “Está acontecendo! O Texas será líder em criptomoedas”, publicou ele no Twitter em junho. Naquele mesmo mês, o Texas se tornou o segundo Estado dos EUA, depois de Wyoming, a reconhecer as criptomoedas na sua lei comercial, abrindo caminho para empresas do setor operarem lá. Desde então, muitas empresas chinesas têm buscado estabilidade e oportunidades no Texas.
A empresa Bit Mining, com sede em Shezhen, no sudeste da China, planeja investir US$ 26 milhões para construir um data center nos EUA, enquanto a Bitma, de Pequim, está ampliando suas instalações em Rockdale, Texas. Essa pequena cidade, de 5,6 mil moradores, já abrigou uma das maiores plantas de produção de alumínio do mundo. Agora, está emergindo como o novo centro mundial de moedas como as bitcoins.
‘Valores parecidos’
Poderia ainda haver outra conexão subjacente entre a indústria de criptomoedas e o Texas, já que De La Torre disse que os mineradores de criptomoedas e os texanos compartilham “os mesmos valores”: “Os texanos levam muito a sério suas liberdade e direitos, assim como os bitcoiners.”
Os especialistas acreditam que a repressão às criptomoedas na China foi motivada pela vontade do governo chinês em ter um maior controle sobre os mercados financeiros. Um efeito colateral é que isso pode levar profissionais qualificados aos EUA, defende um pesquisador. “Essa migração é positiva para os EUA em termos de aquisição de talento e fomento de um ecossistema de inovação”, diz Kevin Desouza, professor de negócios da Universidade de Tecnologia de Queensland, que pesquisa sobre política de moeda digital na China.
Riscos políticos e energéticos
Além do entorno regulatório, a indústria se alimenta de energia e está em busca de eletricidade barata. O Texas tem um dos preços de energia mais baratos do mundo. Os consumidores desfrutam de mais opções de provedores de energia, o que estimula essas empresas a baixarem os preços para se manterem competitivas. Durante os picos de demanda de energia, as fazendas de bitcoin podem até mesmo vender energia não utilizada pela sua rede de computadores.
Embora El Salvador esteja se tornando o primeiro país a adotar o bitcoin como moeda nacional – por sinal, com bastante confusão -, os empresários de criptomoedas preferem os EUA por causa da infraestrutura elétrica mais desenvolvida, diz De La Torre. Mas alguns analistas alertam que a “grande migração” pode ter sérias repercussões, já que as cidades terão dificuldades para atender à enorme demanda de energia. Em fevereiro, os apagões que se seguiram a uma tempestade de neve mortal deixaram milhões de casas e empresas no Texas sem energia por dias. Mais de 200 pessoas morreram. Durante a queda de energia, as fazendas de bitcoin foram compensadas para permanecerem offline.
Essa forte demanda por energia faz com que a indústria de mineração de criptomoedas tenha uma enorme pegada de carbono, o que tornou o setor alvo de muitas críticas de ambientalistas. Em fevereiro, pesquisadores da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, afirmam que os processos de mineração de criptomoedas consomem cerca de 121,36 terawatt-horas (TWh) por ano, uma quantidade que não tende a cair, a não ser que o valor da criptomoeda despenque. Vale destacar que um terawatt equivale a 1 bilhão de kilowatts, e esse total é maior do que o consumo inteiro da Argentina, país de 45 milhões de habitantes.
‘Atores estrangeiros hostis’
Por fim, o escrutínio das empresas chinesas nos EUA também pode atrair mais atenção para esses recém-chegados da indústria de criptomoedas. O Texas aprovou recentemente uma lei que impede que “atores estrangeiros hostis” acessem infraestrutura importante, incluindo sua rede elétrica. A nova lei teria sido impulsionada pelo plano multimilionário da China de construir um parque eólico no sudoeste do Texas. Críticos desse projeto chinês dizem que ele poderia ser usado para hackear a rede elétrica do Estado e obter informação de inteligência de uma base militar dos EUA que fica ali perto. O professor Desouza diz que, embora seja improvável que o acesso às redes de energia seja um problema para os mineradores de criptomoedas no curto prazo, o risco político continuará a evoluir.
E a indústria de criptomoedas também vai perder algo precioso que possuía na China: mão de obra barata e obras com ritmo acelerado. Segundo Pan, enquanto uma nova fazenda de bitcoin demora cinco meses para ser construída na China, no Texas isso poderia demorar até 18 meses. Os preços mundiais de exportação e transporte também dispararam durante a pandemia, tornando mais caro enviar máquinas de bitcoin da China aos EUA. Apesar dos custosos e lentos esforços, Pan diz que sua empresa está decidida a se estabelecer no Texas: “É uma terra livre, e muitos bitcoiners estão aqui”, disse. “Nos sentimos em reunião familiar.”
Texto original de Zhaoyin Feng, publicado pela BBC
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