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Arbitragem regulatória nos conflitos de compartilhamento de infraestrutura: comentários sobre a atuação conjunta da ANEEL e ANATEL

José Marinho Séves Santos e Luiza Pessoa Nabuco comentam o mecanismo de coordenação regulatória empregado pela ANEEL e a ANATEL
Publicado em
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Imagem: Pixabay

Texto original de Por José Marinho Séves Santos e Luiza Pessoa Nabuco, publicado pelo Canal Arbitragem

Setores de infraestrutura em rede tendem a se tornar monopólios naturais. Por demandarem elevados investimentos, são obras de difícil replicação. E, ainda nos casos em que é possível a realização de obras simultâneas, a sua coexistência pode se tornar economicamente inviável. Imagine-se, como exemplo, a construção de ferrovias paralelas, com a mesma origem e destino. A concorrência entre ambas impossibilitaria a recuperação do investimento e a obtenção de lucro. Presumivelmente, os detentores de ambas seriam conduzidos à falência.

Os malefícios dos monopólios, entretanto, são bem conhecidos. Para potencializar o uso da infraestrutura e evitar prejuízos aos seus usuários, se faz necessário pensar em mecanismos que possibilitem seu compartilhamento por vários prestadores de serviço. O uso simultâneo da infraestrutura instaura um regime de concorrência na prestação dos serviços, limitando os aspectos deletérios do monopólio, em benefício dos usuários de um determinado serviço.

Este artigo tem como objeto o mecanismo de coordenação regulatória empregado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) para regular o compartilhamento de infraestrutura destinado a viabilizar aproveitamento do espaço utilizado em conjunto por prestadores de serviços atuantes nos setores de distribuição de energia elétrica e telecomunicações, especialmente os postes de luz.

Esse mecanismo é relevante, pois permite a expansão do sistema de telecomunicações, por meio do uso de infraestrutura já implementada para a distribuição de energia elétrica. Isto ocorre por meio da cessão onerosa da capacidade excedente dos postes para outras prestadoras de serviços. Elimina-se a necessidade de investir na replicação de uma infraestrutura já existente, dotando de maior dinamismo o setor e, em paralelo, reduzindo os custos impostos sobre os consumidores.

O que se tem verificado, entretanto, é um problema de sobrecarga nos postes de luz, especialmente nos grandes centros urbanos. Há risco de danos estruturais permanentes à infraestrutura, que poderiam causar grande retrocesso nos setores elétrico e de telecomunicações. A insatisfação com o quadro normativo atual ensejou processo de revisão regulatória, que, atualmente, encontra-se em fase de análise das contribuições da consulta pública.

É momento que exige, assim, reflexão sobre o panorama intersetorial. O presente trabalho aborda, especificamente, a arbitragem regulatória, procedimento administrativo criado como forma de resolução de conflitos, por meio de recurso ao julgamento por representantes das agências envolvidas. Entende-se que, embora benéfico do ponto de vista da coordenação regulatória, este mecanismo se mostra insuficiente, diante do uso irregular da infraestrutura de postes de luz em áreas urbanas. Investiga-se, como hipótese, que a adoção da arbitragem, como prevista em lei, poderia empoderar os detentores de infraestrutura para a resolução de conflitos, pulverizando o enforcement normativo, com um consequente acréscimo em sua eficiência.

O compartilhamento intersetorial de infraestrutura é objeto da Resolução Conjunta nº 01/1999, aprova o regulamento conjunto de compartilhamento de infraestrutura entre os setores de energia elétrica, telecomunicações e petróleo. Esse regulamento é o responsável por estabelecer que a capacidade excedente disponibilizada pelo detentor da infraestrutura pode ser concedida para o uso de prestadores de serviços de telecomunicações de interesse coletivo.

Os conflitos podem derivar dos mais diversos aspectos, porém, os mais comuns se relacionam aos direitos de propriedade, uma vez que os direitos de uso, usufruto e poder de disposição podem ganhar nuances acinzentadas quando há compartilhamento de infraestrutura. Nem sempre a situação do caso em concreto consegue respaldo em relação aos limites de responsabilidade acordados nos contratos firmados entre os agentes econômicos envolvidos.

Também podemos destacar os conflitos envolvendo a remuneração da infraestrutura compartilhada, matéria regulada pela Resolução Conjunta nº 04/2014, uma vez que a definição de seu custo, destinação de sua receita e as obrigações decorrentes do contrato de compartilhamento podem gerar desavenças entre as partes.

Existem dois mecanismos de soluções de litígios que podem ser empregados para dirimir controvérsias decorrentes das resoluções que regulamentam o compartilhamento de infraestruturas de postes de luz: o recurso ao Poder Judiciário, por meio de ação autônoma, e a arbitragem regulatória que, apesar do nome, é processo administrativo e, portanto, possui importantes diferenças com relação ao procedimento previsto pela Lei nº 9.307/1996 (“Lei de Arbitragem” ou “LArb”).

O artigo 23 da Resolução Conjunta nº 01/1999 estabelece a arbitragem regulatória como forma de resolução de eventuais conflitos de interesse. É realizada por intermédio de uma agência reguladora, uma vez que essas possuem competência de decidir conflitos entre usuários e consumidores como o agente regulado, assim como, conflitos envolvendo somente agentes regulados.

No caso em análise a Comissão de Resolução de Conflitos das Agências Reguladoras dos Setores de Energia Elétrica é a responsável por realizar a arbitragem regulatória conforme estipulado na Resolução Conjunta nº 2/2021. Essa Comissão é composta por dois representantes da requerente, dois do requerido e um de uma agência reguladora do setor não envolvida no conflito.

O procedimento da arbitragem regulatória, é estabelecido no Anexo da Resolução Conjunta nº 2/2021 ANEEL/ANATEL e ANP, condicionado à existência de tentativa anterior de negociação entre as partes. Além disso, sua decisão, apesar de ter caráter definitivo na instancia administrativa, ainda pode ser questionada judicialmente após o fim do procedimento administrativo.

Sua abrangência é delimitada pelo art. 3º, que o torna mecanismo aplicável a quaisquer conflitos decorrentes das resoluções conjuntas que versam sobre compartilhamento de infraestrutura. A atuação das agências, nos termos do art. 2º, se dará “no exercício da função de órgãos reguladores”. Embora vaga, esta formulação pode ser compreendida através da divisão da função regulatória em três vertentes: “quase-legislativa”, “quase-administrativa” e “quase-judiciária”. A conjugação destes dispositivos leva à conclusão de que a arbitragem regulatória é o locus, por excelência, do exercício da função fiscalizatória e, portanto, integrante do processo sancionador da agência.

Esses pontos conduzem ao seguinte questionamento: será que a arbitragem regulatória é a melhor opção para solucionar esse tipo de conflito? O processo de revisão regulatória é o momento propício para levantar essa questão.

Apesar de bem-intencionada e bem estruturada, a arbitragem regulatória possui fragilidades que a tornaram um meio pouco empregado para a resolução dos conflitos envolvendo o compartilhamento de infraestrutura intersetorial. A possibilidade, por exemplo, de recurso ao Poder Judiciário, durante e após a arbitragem (que é um processo administrativo) poderia postergar indefinidamente a sua solução, o que contribuiria para o impasse que toma conta do setor.

A adoção de arbitragem nos moldes previstos pela LArb poderia ser um mecanismo a mais dentre as possibilidades disponibilizadas para a resolução de conflitos no setor. Excluindo-se as hipóteses em que os procedimentos versem sobre matéria sancionatória ou estejam vinculados à fiscalização do regular cumprimento das regulações, não parece haver óbices para que, por exemplo, um prestador de serviços lesado pelo detentor de uma infraestrutura recorra a um processo arbitral.

Ao revés, no limite o reconhecimento da arbitrabilidade objetiva destes litígios poderia acelerar a sua conclusão, desonerando os reguladores e permitindo que eles pudessem, com maior esmero, exercer a função de fiscalizadores que naturalmente lhes compete.

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