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Primeiro vieram os códigos de barras. Para saber o valor de algum produto sem etiqueta num supermercado, bastava procurar uma maquininha em pilastras ou nas prateleiras, “mostrar” as tais listrinhas ao sensor e ver na tela quanto aquilo custava. Outros, para tentar a sorte, davam-se ao trabalho de cortar os códigos das embalagens para enviá-los pelos Correios. As listras podiam render um caminhão de prêmios.
A pandemia mudou de vez esse jogo. As barras evoluíram e agora o até então discreto QR Code — tipo de código bidimensional, de resposta mais rápida — tornou-se protagonista. Ninguém dava muito por ele até 2020. Agora, ele está por toda parte. Através do quadradinho de pontos pigmentados, é possível chegar a endereços de site, e-mail, contatos telefônicos e arquivos ou fazer pagamentos e até andar de metrô e trem. Basta apontar a câmera do celular para a imagem que logo aparece um link a ser clicado.
Se antes servia para a publicidade apresentar produtos ou para telespectadores brincarem de interatividade, mirando o celular para a tela, com as regras de distanciamento o QR Code passou a beneficiar também os comerciantes. Em bares, lanchonetes e restaurantes, o cardápio impresso foi abolido para evitar contaminação. O menu de se pegar com as mãos foi substituído por versões digitais.
A volta lenta à “normalidade”, enquanto os índices da pandemia enfraquecem, vai revelando novos hábitos e costumes para o dia a dia. Durante um passeio por São Paulo, é fácil perceber a mudança. Num restaurante na região central da cidade, um adesivo com o QR Code colado nos cantinhos das mesas mostra que há algo diferente por ali. “O cardápio é online, tá?”, explicava, na quinta-feira (14), o garçom João Miguel, 32, assim que se aproximou para o atendimento e entregou um saco de papel para guardar a máscara.
É na tela do celular que os clientes consultam as opções de pratos, bebidas e sobremesas. Depois de escolher, informam a ele o que querem. “Às vezes o celular da pessoa não funciona. Mas nós temos um celular do restaurante, que pegamos e emprestamos ao cliente. Ou, se o problema for internet, a gente passa o login e a senha do wi-fi“, conta o funcionário.
A funcionalidade foi instalada no estabelecimento desde a primeira flexibilização do Plano São Paulo, em julho de 2020, quando o governo permitiu a reabertura de restaurantes mediante restrição de capacidade de público e de horário de funcionamento.
Olhar o cardápio, algo que antes era parte do ritual dos encontros em uma mesa com amigos, familiares e paqueras, ficou algo mais individual. É mais difícil apontar as opções, comentar os ingredientes e até escolher junto, enquanto se olha o menu. Nesse caso, o digital “esfriou” o clima do analógico.
A saída, aparentemente, é não deixar que a relação no atendimento se torne distante. “Com alguém que tenha mais dificuldade com a tecnologia, a gente também ajuda. Eu mesmo abro o cardápio no meu próprio celular”, diz Miguel. Se mudou para o cliente, mudou também para o garçom? “Olha, no nosso caso, a gente fala mais sobre o cardápio”, afirma. “Explicamos melhor as opções, tiramos dúvidas. E é bom também, porque decoramos mais facilmente as informações.”
Naquela mesma tarde, num outro restaurante do Jardim Paulista, bairro da zona oeste, a garçonete Ione Maria, 34, confirmava o que João Miguel dizia. Em seu trabalho, o QR Code também virou regra desde o início da pandemia, com uma diferença: o impresso ainda existe. “A gente usa o cardápio em papel quando é uma pessoa mais velha ou quem não tem muita familiaridade com a tecnologia. Aí a gente entrega”, conta.
A versão digital do restaurante de Ione é mais clássica. Em vez de um cardápio criado especificamente online, como o do restaurante onde João Miguel atende, o dela é um arquivo em formato pdf, disponível numa espécie de pasta virtual (mais bonito, com imagens, porém menos funcional). Ainda assim, explica a atendente, “tudo ficou mais prático”.
O sistema comercial com QR Code é um dos negócios de Nérope Bulgareli, CEO da Zigpay. Inaugurada em 2017, a empresa fornecia mecanismo de informatização para substituir fichas de papel em eventos. Com a pandemia, decidiu ampliar o escopo. “A gente sentou e conversou com toda equipe de produção para criar um fluxo de consumo onde a pessoa consiga chegar ao estabelecimento, sentar, pedir, pagar, comer e ir embora, sem dirigir a palavra a ninguém”, explica.
A empresa desenvolveu dois produtos com esse viés. Além de um com todas as etapas de comercialização informatizadas — “fluxo de processo perfeito”, segundo Bulgareli —, eles também disponibilizam o sistema mais comum, híbrido, que inclui a digitalização do cardápio pelo QR Code, mas mantém o atendimento físico. As duas formas serviram como luva, diz ele, tanto para atender à necessidade de distanciamento social quanto para reduzir custos. “Em vez de ter um garçom e um cumim [o auxiliar, que entrega os pratos], pode ter só um deles.”
Cerca de 30 bares e restaurantes em todo o Brasil contrataram os serviços de Nérope Bulgareli. O preço de implementação varia de acordo com o tamanho de cada estabelecimento, mas a empresa dele fatura 5% de cada venda efetuada.
Daqui a pouco, mesmo sem a pandemia, o QR Code vai ser uma prática geral no país, segundo o professor de direito da FGV-RJ (Fundação Getúlio Vargas do Rio) Nicolo Zingales, especialista em regulação da informação e e-commerce. “É um fenômeno”, diz ele. No futuro, ele vislumbra uma relação de compra e venda personalizada, mediada por QR Code. É basicamente substituir aquela conversa com o garçom sobre o tamanho dos pratos e o estilo da cerveja artesanal por um algoritmo do robozinho que já conhece seu gosto.
Zingales alerta que um desafio nessa nova ferramenta é estarmos atentos para o uso indevido dos dados que os restaurantes podem eventualmente colher dos celulares. “É importante estar atento aos links que clicamos.”
Texto original de Mateus Araújo, publicado pelo TAB Uol
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