A AB2L iniciou suas atividades em 2017 e, desde então, escreve os capítulos de uma história que tem muito para contar sobre o ecossistema de tecnologia jurídica.
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Conforme já falamos em outras oportunidades, o investimento anjo é o investimento pelo qual pessoas físicas ou jurídicas investem capital em startups early stage, ou seja, ainda em estágio inicial de desenvolvimento.
Tais aportes geralmente variam de R$ 50.000,00 a R$ 600.000,00 e são realizados em empresas que necessitam de capital para investir na operação inicial da sociedade, como em desenvolvimento, marketing, entre outras atividades necessárias ao crescimento da empresa, sendo certo que raramente os investidores retiram algum retorno do investimento à curto prazo.
Uma das modalidades de viabilização deste tipo de investimento é o Mútuo Conversível, o qual vem amplamente sendo utilizado nas operações de investimento em startups.
Trata-se de um empréstimo (mútuo) com a possibilidade de reversão do valor em quotas na sociedade (conversível), ficando a critério das partes o tempo efetivo para a transferência das quotas ao investidor e os critérios para isso.
Ao emprestar determinada quantia para a empresa, o investidor estabelece como o valor deverá ser empreendido, bem como as formas de devolução ou não da importância, que poderá, como dito antes, ser convertida em quotas/ações para ingresso na sociedade.
A característica mais importante e atrativa é a redução dos riscos para o investidor, afinal não há que se falar na responsabilidade patrimonial desse, que apenas possui uma dívida para com a sociedade.
Deve-se ressaltar, no entanto, tributação sobre o ganho de capital, de no mínimo 15%, a qual é aplicada quando o investidor de fato exerce a conversão e em seguida resgata seu investimento.
A Lei Complementar 155/2016 criou uma nova modalidade de investimento anjo e trouxe seu respectivo instrumento, o Contrato de Participação, que possui alguns requisitos legais a serem cumpridos, como, por exemplo:
O principal benefício do aporte via Contrato de Participação é que os valores investidos pelo investidor-anjo não serão considerados receitas ou aportes de capital na sociedade e, além desse benefício, a nova Lei estabeleceu mecanismos para ‘‘blindar’’ o investidor dos riscos da atividade comercial, o que serve de atrativo para a captação de recursos financeiros.
Em 21 de julho de 2017 foi publicada no Diário Oficial da União a Instrução Normativa RFB nº. 1719/2017, a qual dispõe sobre a tributação de aporte de capital de que trata o art. 61-A da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006.
A referida instrução normativa estabeleceu que o valor do resgate pelo investidor será limitado ao valor do aporte corrigido por índice de inflação definido no contrato de investimento.
Além disso, a norma trouxe uma tributação regressiva para os rendimentos decorrentes dos aportes, os quais vão de 22,5% a 15%, de acordo com o prazo do Contrato de Participação, sendo certo que a base de cálculo do imposto sobre o resgate corresponde à diferença positiva entre o valor do resgate e o valor do aporte de capital efetuado.
A tributação imposta pela Receita Federal ao Contrato de Participação vem sendo amplamente criticada por investidores, políticos e players do ecossistema de startups, uma vez que não beneficiou os rendimentos do investimento anjo, como foi feito pela lei e era esperado pelo mercado.
De fato, a legislação poderia ter sido bem mais benéfica no sentido de incentivar o investimento em startups (micro e pequenas empresas), ao invés de manter alíquotas altas que podem afastar o capital destas empresas.
Contudo, as críticas se baseiam principalmente na tributação dos rendimentos pelos investidores, prática não tão comum para investimento anjo.
A realidade do mercado de startups demonstra que o Contrato de Participação é perfeitamente utilizável e vantajoso, além do fato da tributação imposta não prejudicar, na grande maioria dos casos, o investimento nas startups que utilizam este modelo. E é isto que vamos abordar a partir de agora!
Inicialmente, a Lei e o normativo disciplinaram a tributação sobre os rendimentos decorrentes do aporte de capital, utilizando a regressividade pelo prazo do contrato, iniciando em 22,5% e regredindo até 15%, conforme tabela baixo:
Prazo da ParticipaçãoAlíquotaAté 180 dias22,5%De 181 dias até 360 dias20%De 361 dias até 720 dias17,5%Superior à 720 dias15%
Contudo, isso não acontece muito na prática. Na maioria dos casos as startups não distribuem dividendos ou não trazem retornos aos investidores nos primeiros anos de operação, pois todo investimento e receita são utilizados para o próprio crescimento da empresa.
Além disso, na maioria dos investimentos, o que é combinado com o investidor é a possibilidade de compra de participação societária da empresa, caso esta se valorize, o que já acontece em contratos de mútuo conversível e pode também ser feito em Contratos de Participação.
Ora, se não há resgate ou rendimentos aos investidores de startups early stage, a tributação pouco importa, pois só levaremos em conta os tributos incidentes nas operações de compra e venda das ações e eventual ganho de capital, o que vale para todas as modalidades.
Vale ressaltar também que a tributação do mútuo conversível ainda depende de pagamento de IOF, algo que não incide nas operações via Contrato de Participação.
Outra crítica que muitas vezes não se sustenta diz respeito aos prazos estabelecidos pela legislação do investidor anjo.
De fato, o estabelecimento de prazos mínimos e máximos trazem limitações ao livre mercado e a forma como estas relações de investimento acontecem. Entretanto, os prazos se mostram razoáveis dentro da lógica de investimento anjo em startups e, na prática, acabam se ajustando à realidade, o que não justifica, a princípio, deixar de utilizar o modelo de Contrato de Participação para captações de investimento.
Entretanto, a fixação dos prazos pela lei acaba por inviabilizar negociações particulares nas quais foram negociados prazos diferenciados, cabendo as partes decidirem por adequar aos prazos legais ou utilizar outro modelo.
Outro ponto de limitação da norma e que gera críticas diz respeito à proibição trazida pela lei em relação à participação do investidor nos atos de gestão da sociedade, pois para utilização do Contrato de Participação e da Lei Complementar 155/16 este não pode participar ativamente da administração da sociedade.
Mais uma vez estamos diante de uma limitação que dificilmente ocorre na realidade dos investimentos anjo em startups.
Dificilmente um investidor anjo terá interesse em participar diretamente da gestão da sociedade, mas tão somente atuar como conselheiro e possuir algumas questões mais sensíveis nas quais possa ter alguma participação, sem necessariamente atuar diretamente com gerencia. Os investidores também não participarão do cotidiano da empresa e das decisões gerenciais.
Além disso, questões acordadas em instrumentos de investimento ou anteriores ao ingresso do capital anjo, são consideradas contratuais e podem ser condições predeterminadas pelos investidores para que o investimento se concretize, sem necessariamente se consumar em atos de administração.
A título de exemplo, podem ficar acordadas cláusulas de veto para determinadas situações que ensejam alguma penalidade (como o desfazimento do negócio e retorno do capital investido ao investidor) e não necessariamente correspondem à uma atuação como gestor, pois estes serão os formalmente indicados no Contrato Social, seja no que diz respeito às questões societárias, seja no que diz respeito à administração e representação da sociedade.
Importante ressaltar que a ingerência do investidor pode descaracterizar o Contrato de Participação, mas também poderia descaracterizar um Mútuo Conversível, uma vez que os investidores poderiam atuar como “sócios” fora da sociedade e mascarar uma relação.
Na prática, independentemente do modelo adotado, a participação do investidor como sócio ou administrador de fato já ensejaria riscos aos envolvidos, pelo que a escolha pelo Mútuo Conversível não traz maior segurança.
Outra vantagem aos investidores na utilização do Contrato de Participação é a ausência de responsabilidade em caso de dívidas da sociedade, conforme previsão legal no artigo 61-A, inciso II da Lei Complementar 123/2006.
Nota-se que outros modelos não dispõem de previsão legal de ausência de responsabilidade, ou seja, torna-se mais vantajoso utilizar um modelo em que tal questão está expressamente na lei.
Não sabemos como o judiciário (trabalhista, por exemplo) pode entender em relação a participação do investidor, para caracterizá-lo como sócio e atribuir responsabilidade. Contudo, podemos pensar que o modelo positivado traz um argumento legal bem mais forte para defender a ausência de responsabilização.
Na linha do abordado anteriormente, percebe-se que uma das maiores vantagens do Contrato de Participação está no contexto das suas maiores críticas.
Muitas destas críticas pairam sobre esta modalidade de investimento em virtude dos riscos oriundos das limitações legais impostas e de ingerência do investidor, pela possibilidade de atribuição de responsabilidades e até mesmo descaracterização do Contrato de Participação.
Contudo, a sua maior vantagem está no fato de o mesmo estar previsto em lei, pois há uma Lei Complementar, de abrangência nacional, que traz os requisitos e as condições expressas para que este contrato se realize licitamente, deixando clara também a ausência de responsabilidade de investidores.
Sendo assim, se mostra muito mais interessante realizar um investimento seguro com base em uma modalidade prevista em lei do que se valer de instrumentos adaptados (como é o caso do Mútuo Conversível) para realização destas operações, pois podem gerar mais questionamentos e dúvidas em relação ao propósito do negócio.
Os riscos existentes em operações mal realizadas, com ingerência de investidores na gestão da sociedade ou práticas abusivas, seriam iguais ou maiores em Contratos de Mútuo Conversíveis do que em Contratos de Participação previstos em lei, pois em ambos os casos não se poderiam mascarar relações de sociedade de fato (ou utilizar “laranjas”) na relação societária constituída.
Dentre outros, ficam os questionamentos:
Importante salientar que para utilização do Contrato de participação os requisitos da lei devem ser cumpridos à risca, pelo que em determinadas negociações isto pode não ser vantajoso para as partes. Nestas hipóteses, outros instrumentos podem ser mais interessantes para os envolvidos.
Em que pese esta ressalva, devemos olhar com mais atenção a este mecanismo e considerar sua aplicação prática como algo relevante dentro da dinâmica de investimento anjo em startup.
Autores: Fabio Cendão, Heitor Maia e Paulo Mendes (Faria, Cendão & Maia Advogados).
FOTO: Fabio Cendão é sócio do Faria, Cendão & Maia Advogados, escritório especializado em assessoria jurídica para startups, empreendedor, além de participar como investidor, professor, palestrante, mentor, avaliador e organizador de diversos projetos e eventos de startups e empreendedorismo.
FONTE: Linkedin.
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