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Inteligência Artificial ganha copyright na China. Máquina pode ser autora?

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Um artigo analítico é assinado, na imensa maioria das vezes, por um ser humano. Mas, nas raras ocasiões em que a inteligência artificial produz um texto de opinião, fica a dúvida: alguém tem direito sobre a obra? Na China, a resposta é sim. Em um caso divulgado no início de 2020 pela mídia estatal chinesa, em veículos como o China Daily e a CGTN, uma Côrte da cidade de Shenzhen decidiu a favor do conglomerado de tecnologia Tencent em um processo de direito autoral. A Tencent é a criadora da inteligência artificial Dreamwriter, que, desde 2015, escreve notícias sobre finanças e esportes — dados de 2016 mostram que o algoritmo costuma publicar 2 mil desses artigos por dia.

O processo foi aberto pela Tencent quando uma plataforma online de conteúdo pertencente à Shanghai Yingxun Technology publicou um texto escrito pelo Dreamwriter sem autorização, em agosto de 2018. De acordo com o CTGN, a decisão judicial afirma que o artigo pode ser classificado como um texto escrito semelhante a qualquer outro, e demonstrou estrutura razoável, lógica clara, assim como certa originalidade baseada em seleção e análise de dados e informações. Portanto, infringiu-se o copyright. A Shanghai Yingxun Technology foi condenada a pagar 1.500 yuan (aproximadamente R$ 900) à Tencent. Andres Guadamuz, professor de Direito de propriedade intelectual da Universidade de Sussex, na Inglaterra, escreveu um artigo no qual relata que esse parece ser o primeiro caso no mundo envolvendo copyright de um trabalho criado por inteligência artificial sofisticada. Ao que tudo indica, quanto mais IAs autoras tivermos, mais debates desse tipo devem aparecer.

E se fosse aqui?

No Brasil, um caso como esse seria julgado sob a Lei 9610, de 1998, que regula os direitos autorais no país, observa o advogado Marcelo Pretto, professor e especialista nesse tema. “Nosso sistema, que é importado dos Direitos francês e alemão, protege o autor e a obra. Há um vínculo eterno, que não prescreve”, explica ele, ressaltando que por aqui não falamos em copyright — um termo da legislação anglo-saxã que define o direito à cópia —, mas em direito de autor. São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro Artigo 7°, Lei 9610 A expressão “criações de espírito” pode soar meio romantizada, mas o advogado explica que essa definição atrela a obra a um ser humano, portanto há uma “ligação moral”. Assim, uma empresa não pode ser considerada autora. O que pode acontecer é ela virar titular da obra, caso o autor ceda seus direitos. Portanto, ainda poderia rolar um processo, mas diferentemente do caso chinês a empresa entraria com pedido de titularidade, não reconhecimento de copyright. Questão de detalhe.

Criador ou criatura

Considera-se autor da obra intelectual, não havendo prova em contrário, aquele que, por uma das modalidades de identificação referidas no artigo anterior, tiver, em conformidade com o uso, indicada ou anunciada essa qualidade na sua utilização

Artigo 13°, Lei 9610

No caso chinês, ficou definido que o dinheiro é da empresa que criou o algoritmo. Mas, se formos entrar em um debate mais filosófico, quem é o autor do texto: o Dreamwriter ou os programadores da Tencent? Para Sergio Venancio, artista e pesquisador em inteligência artificial, a palavra-chave para responder a essa pergunta é intenção. “Eu acredito que, para poder olhar para esse tipo de conteúdo [produzido por IA] daqui para frente e dizer quem é o autor, é interessante pensar qual é a intenção por trás do conteúdo”, afirma.

Nesse exercício de regressão, é difícil não chegar a um ser humano. Para que uma máquina produza um texto jornalístico, um quadro, um roteiro de filme ou qualquer outra obra, alguém precisou programá-la, pedir que ela produzisse um resultado dentro daquela categoria e conferir se o resultado é convincente.

“Desse ponto de vista filosófico e neurocientífico, o autor é sempre alguém consciente, que sabe discernir seu self, capaz de se intitular autor de algo”, afirma Venancio. Entra aí a ideia de consciência, que, pelo menos por enquanto, ainda falta às máquinas.

Isso fica claro na legislação britânica, observa Venancio. “No caso de trabalho literário, dramático, musical ou artístico gerado por computador, o autor será tomado como a pessoa por quem foram feitos os arranjos necessários para a criação do trabalho”, define a lei. O artista, que desenvolveu uma inteligência artificial que produz retratos artísticos, diz concordar com a definição britânica — por enquanto. “Se algum dia a gente não conseguir mais dizer quem idealizou o contexto de criação, aí talvez poderíamos atribuir autoria a uma IA”, afirma.

Marcelo Pretto defende que o tema seja debatido, mas não acha necessária uma mudança na legislação brasileira. “Nossa lei é de 1998. Pode parecer antiga, mas é muito atual. A tecnologia é mais dinâmica que o ordenamento jurídico, não seria produtivo atualizar a lei à medida que a tecnologia vai sendo inventada”, opina o especialista, que também é advogado. O artigo 7° da Lei de Direitos Autorais já dá conta desses futurismos quando cobre obras “fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro.

Por ora, além da China, temos poucos precedentes para pensar em casos como esse. Será que a briga por direito autoral em IA vai ser a nova “selfie do macaco”?

FONTE: https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2020/01/24/inteligencia-artificial-ganha-copyright-na-china-mas-maquina-e-autora.htm?cmpid=copiaecola

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