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IA e inclusão: uma oportunidade para o Sul Global

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A inteligência artificial é um risco fundamental para a existência da civilização humana”. Essa é uma das muitas frases apocalípticas já defendidas por Elon Musk, executivo bilionário do Vale do Silício, dono da Tesla Motors e Space X, cujo objetivo é desenvolver foguetes capazes de “salvar” humanos de perigos existenciais, levando-os para Marte. Cenários de filmes futurísticos como Robocop, onde humanos convivem com robôs assassinos, podem não estar tão distantes. A Coreia do Sul, por exemplo, já faz uso de armas autônomas que podem disparar munição letal após autorização remota de humanos. Preocupados com o desenvolvimento desse tipo arma, especialistas e entidades de direitos humanos levaram o tema para discussão no âmbito das Nações Unidas. O objetivo era claro: banir o uso de armas letais autônomas.

Mas até que ponto a preocupação de Musk é procedente? A discussão sobre o futuro que a inteligência artificial nos reserva tem dividido opiniões entre os maiores empresários do ramo de tecnologia. Mark Zuckerberg, dono do Facebook, acredita que a inteligência artificial vai melhorar a qualidade de vida de todos nos próximos 5 a 10 anos e classifica como irresponsável as previsões apocalípticas de Musk.

Em junho de 2017, a União Internacional de Telecomunicações, em parceria com agências das Nações Unidas, promoveu um encontro global para demonstrar como a inteligência artificial poderia ser usada para atingir os objetivos de desenvolvimento sustentável. Para cada objetivo, como, por exemplo, acabar com a fome, melhorar a saúde pública e fortalecer as instituições, apresentou-se uma ferramenta que utiliza inteligência artificial para atingir as metas.

O aplicativo Mcrops, muito usado por fazendeiros em Uganda, já é uma importante ferramenta no combate à fome. Usando apenas a câmera de seu celular, o fazendeiro consegue analisar uma planta com suspeita de infecção. Com uso da inteligência artificial, Mcrops pode apontar com precisão a severidade da peste e ainda disponibilizar as informações que o fazendeiro precisa para iniciar o tratamento imediato à planta, minimizando o risco de contaminação de toda a plantação e a consequente perda do alimento.

Na área da saúde pública, a AIME (Artificial Intelligence in Medical Epidemiology) desenvolveu uma plataforma utilizada para prevenir a incidência do vírus da Dengue, Zika e Chikungunya. Essa plataforma já foi usada na Malásia e no Brasil, e funciona combinando pesquisa epidemiológica (com dados da saúde pública e previsão meteorológica) e inteligência artificial para prever surtos dessas doenças no meio urbano. O índice de precisão da análise no Rio de Janeiro foi de 84,11%, tendo sido possível prever com até 3 meses de antecedência os locais que teriam maior incidência das doenças, o que ajudou a orientar o trabalho preventivo de combate aos vírus.

A inteligência artificial também tem sido usada no Brasil para detectar maus usos de verbas públicas, com o fim de fortalecer instituições democráticas e auxiliar no combate a corrupção. A equipe do projeto Serenata de Amor criou a robô Rosie para fiscalizar os reembolsos efetuados a partir da cota para o exercício da atividade parlamentar, que custeia alimentação, transporte, hospedagem e cultura. A Rosie descobriu, por exemplo, que uma refeição de um deputado custou mais de R$ 6000,00 e que outro deputado gasta o equivalente a 30 tanques de gasolina cheios por mês. O projeto já denunciou mais de 600 reembolsos suspeitos à Câmara dos Deputados, envolvendo 216 deputados diferentes e mais de R$ 378 mil.

Iniciativas como essas têm o potencial de ajudar a resolver grandes problemas sociais, especialmente em países do Sul Global. Mas como fazer com que exemplos como esses sejam aplicados em larga escala? Um dos caminhos é superar os entraves apresentados pelo contexto no qual os países em desenvolvimento se encontram.

Tendo em vista as particularidades desses países, listamos nove pontos que devem ser levados em consideração para incentivar desenvolvedores a usar inteligência artificial para o bem público.

  1. A quantidade e a qualidade dos dados

A inteligência artificial precisa de grandes bases de dados para funcionar. O sistema só é bem-sucedido se puder ler quantidade expressiva de informação, mas ocorre que em diversos países do Sul Global muitos dados não estão digitalizados. Em setores como o da educação ou saúde, que poderiam ser geridos com o uso de inteligência artificial, muitos dados ainda são mantidos em papel, impossibilitando o avanço de aplicações tecnológicas. Na Nigéria, por exemplo, um projeto que pretende usar inteligência artificial para diagnosticar a malária usando amostras de sangue foi paralisado por falta de dados.

  1. Necessidade de leis de proteção de dados

O uso massivo de dados não deve abalar os direitos à privacidade. A maioria dos países no Sul Globalainda carecem de uma legislação de proteção de dados, como é o caso Brasil. Para que a inteligência artificial possa ser usada de forma responsável, respeitando os direitos do cidadão, é necessário que países tenham leis de proteção de dados.

  1. Infraestrutura adequada

Grande parte dos países do Sul Global ainda carece de infraestrutura adequada para garantir Internet de qualidade, o que minimiza o impacto social das soluções baseadas em inteligência artificial. Na área da educação, várias plataformas de cunho pedagógico que oferecem planos de estudo personalizados, levando em consideração as dificuldades de cada aluno, não podem ser utilizadas por falta de Internet. Apenas 45% das escolas públicas brasileiras têm Internet de Banda Larga.

  1. Capacitação

Para que aplicações de inteligência artificial sejam desenvolvidas e adotadas é necessário que pessoas sejam treinadas para isso. Portanto, deve haver fomento ao ensino de programação e ciência da computação e, paralelamente, deve haver uma conscientização sobre o uso de novas tecnologias para a população, de forma geral. A ONG africana #iamthecode, por exemplo, promove o ensino de ciência, tecnologia, engenharia, artes, matemática e design para mulheres e meninas. Sua meta é ensinar 1 milhão de meninas até 2030.

  1. Incentivo para pesquisadores e profissionais da área de tecnologia permanecerem no país

Além de formar mais pessoas capacitadas para trabalhar com tecnologia em países do Sul Global, é preciso garantir incentivos para que esses profissionais permaneçam nos seus países. No Brasil, por exemplo, as bolsas disponíveis para pesquisadores são muito inferiores do que os salários do setor privado. Bons profissionais também acabam levados para o exterior para trabalhar em grandes empresas. Esse êxodo de conhecimento empobrece ainda mais o país e aumenta a distância entre os países do norte e do sul.

  1. Fomentar a troca de experiências entre desenvolvedores de diferentes países

Deve-se criar oportunidades para que desenvolvedores de países com menos recursos e desenvolvedores de países com mais recursos possam dialogar e compartilhar conhecimento. Profissionais de países em desenvolvimento por vezes buscam soluções mais criativas para os problemas de sua região; um convívio entre profissionais de culturas distintas poderia resultar em soluções mais eficientes.

  1. Garantir maior diversidade nas empresas de tecnologia e nos fóruns onde esses temas são discutidos

Para que a tecnologia seja mais inclusiva ela deve ser pensada por diferentes pessoas. Embora esforços estejam sendo feitos para garantir maior diversidade no meio da tecnologia, em empresas como Google,apenas 2% dos funcionários são negros e 31% são mulheres, e no Facebook, na área de tecnologia, apenas 1% dos funcionários são negros e 17% são mulheres. Essas empresas têm demonstrado ano após ano melhoras nos números, mas um ambiente desigual como esse pode acabar gerando situações como o concurso de beleza no qual o jurado era uma máquina, que supostamente usaria critérios objetivos como rugas e simetria facial para identificar a “beleza perfeita”. A máquina selecionou 44 vencedores, sendo apenas 1 de pele escura. Outro caso de discriminação por algoritmo foi evidenciado pela ONG Desabafo Social, que identificou que quando se procura por “pessoa” no campo de busca do maior banco de imagens do mundo só aparecem pessoas brancas, como se negros não fossem pessoas.

Além disso, os debates sobre o desenvolvimento de novas tecnologias deve ser multisetorial e incluir países do Sul Global para que seus interesses também sejam levados em consideração. Haverá um encontro para debater exatamente isso, organizado pelo ITS Rio, Berkman Klein Center da Universidade de Harvard e o Museu do Amanhã, em nome da Global Network of Internet and Society Research Centers. O encontro irá reunir profissionais de mais de 40 países para discutir inteligência artificial e inclusão.

  1. Possibilitar o acesso a bancos de dados de forma segura

Os países em desenvolvimento carecem de bancos de dados que possam ser usados por desenvolvedores para treinarem seus algoritmos. Mas o acesso a esses dados deve ser de forma segura, respeitando a privacidade e princípios de proteção de dados.

  1. Maximizar as oportunidades para que a inteligência artificial tenha um impacto social.

Os governos devem incentivar o uso de inteligência artificial para melhorar a qualidade de serviços públicos, especialmente para grupos que normalmente são excluídos. Toda a tecnologia que for utilizada com esse objetivo deve ter um sistema que garanta aos usuários a possibilidade descobrir como a decisão foi tomada pelo algoritmo (direito à explicação) e ter a possibilidade de contestá-la.

 

Esses são alguns pontos importantes para que se promova a transformação social a partir do uso da inteligência artificial. A tecnologia tem seu uso direcionado por pessoas que devem ter em mente a ética e o respeito aos direitos humanos. Espera-se que empresas, governos, desenvolvedores, juristas, filósofos, a academia de forma geral e os cidadãos se unam para discutir o futuro da inteligência artificial visando maximizar seu impacto social positivo e transformador. Esse é um bom caminho para evitarmos o cenário apocalíptico previsto por Musk.

Fonte https://jota.info/artigos/ia-e-inclusao-uma-oportunidade-para-o-sul-global-17102017

Celina M.A. Bottino – Diretora de projetos do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio e mestre em direito pela universidade de Harvard.

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