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Reação de um oligopólio contra a livre concorrência?
É cediço que não há capitalismo sem livre concorrência, bem como que não há prosperidade sem que exista liberdade para o desenvolvimento de mercados tecnológicos, sobretudo, em um mundo onde cada vez mais as relações econômicas e financeiras adquirem caráter transnacional.
O fato de o Brasil ser um país em fase de desenvolvimento, com milhares de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza, e cujo sistema capitalista é rudimentar, dado a prevalência de oligopólios, deveria servir de alerta para que as autoridades tivessem parcimônia na adoção de medidas contra mercados emergentes que usam tecnologia de ponta. Sobretudo, quando esse mercado possui grande potencial para incluir os menos favorecidos no sistema econômico, gerando emprego e uma distribuição mais igualitária da renda.
Com efeito, o potencial das Fintechs e do mercado de criptoativos para a inclusão dos mais pobres na economia, para o aperfeiçoamento do sistema financeiro, bem como para contribuir com uma queda natural da taxa de juros é reconhecido por inúmeros economistas, sendo, portanto, extremamente prejudicial aos interesses do país, o recente entendimento do ministro do STJ, Marco Aurélio Bellizze, exposto no REsp 1696214, no sentido de que as instituições financeiras teriam direito de fechar contas de seus concorrentes, para proteger o próprio mercado!
Com o devido respeito, mas referido posicionamento aparentemente viola alguns dos principais fundamentos de um sistema capitalista, os quais foram delineados com magistral brilhantismo por Adam Smith, em seu célebre livro: “a riqueza das nações”.
Todavia, malgrado o retrógrado entendimento exposto no REsp 1696214, o Banco Central do Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários, e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, têm adotado posturas totalmente opostas a essa pequena parcela do judicial, em prol do desenvolvimento da tecnologia e da livre concorrência.
E não poderia ser diferente, considerando o potencial que o mercado de criptoativos possui para proporcionar uma distribuição de riqueza mais justa entre os cidadãos, para colocar a taxa de juros em um padrão mais próximo do natural, e para incluir o sistema financeiro brasileiro entre os mais modernos do mundo.
Sendo assim, o objetivo deste breve artigo é criticar no plano acadêmico o voto do ministro Marco Aurélio Bellizze, por meio do estabelecimento de uma comparação com o entendimento do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, exposto no mesmo caso relativo à disputa entre instituições financeiras e corretoras de criptoativos.
Instaurou-se no âmbito do CADE um procedimento para investigar se o repentino fechamento da conta das corretoras CoinBR, Mercado Bitcoin, Foxbit, Baziliex, Bitcoin Trade, Walltime, todas atuantes no mercado de criptomoedas, pelos Bancos Bradesco, Sicredi S.A., Banco do Brasil S.A., Itaú Unibanco S.A., Santander S.A., e Banco Inter, teria sido decorrente de práticas anticompetitivas (Conselho Administrativo de Defesa Econômica, 2018).
A representação junto ao CADE foi realizada pela Associação Brasileira de Criptomoedas e Blockchain, que alegou que o Banco do Brasil teria encerrado a conta corrente da sociedade Atlas Proj Tecnologia Ltda, sem que tivesse oferecido justificativa para tanto (CADE, 2018).
Em sua atividade como corretora de criptomoedas a Atlas utilizava a conta para receber depósitos e transferências de clientes que desejavam comprar bitcoins, “não havendo alternativa viável para a realização de negócios e para a transferência de valores, senão por meio dos canais do sistema financeiro tradicional” (CADE, 2018).
Como fundamento jurídico do pedido, alegou-se que o encerramento da conta teria sido feito como forma de reprimir a concorrência, o que atrairia a incidência dos incisos I, II e IV do art. 36 da Lei nº 12.529/2011.1
Com exceção do Itaú Unibanco que reconheceu de forma expressa não abrir contas correntes para corretoras de criptomoedas, as demais instituições financeiras negaram que teriam encerrado as contas correntes com base no ramo de atividade, mas que assim procederam por entender que “as corretoras não estariam seguindo precauções necessárias para evitar atividades ilícitas (como lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo, esquemas de pirâmide, etc)” (CADE, 2018).
Por sua vez, a justificativa apresentada pelo Itaú Unibanco para não abrir contas correntes de corretoras de criptomoedas seria porque, no entendimento da instituição, essas sociedades “ não comprovariam não comprovam a origem e o destino dos recursos detectados em movimentação suspeitas” o que seria de suma importância “ para identificar e monitorar operações e situações que podem configurar indícios de crimes de lavagem de dinheiro” (CADE, 2018)
Ou seja, ainda que o fundamento invocado pelas instituições fosse o não atendimento dos clientes às normas de compliance decorrentes da Lei de lavagem de dinheiro, apenas o Itaú Unibanco reconheceu que se vale de uma presunção no sentido de que corretoras de criptomoedas necessariamente não atendem aos requisitos legais (CADE, 2018).
O curioso nessa justificativa oferecida pelo Itaú Unibanco é que esta instituição possui 49,9% do capital social de uma sociedade de investimentos que no dia 20 de setembro deste ano, durante evento que contou com as presenças dos ex-presidentes Bill Clinton e Fernando Henrique Cardoso em São Paulo, anunciou estar entrando no mercado de criptomoedas.
De qualquer forma, ao menos em caráter preliminar, as justificativas oferecidas pelas instituições financeiras não foram aceitas pelo CADE, que se manifestou pela abertura de Inquérito Administrativo nos seguintes termos:
Por ora, esta SG entende que a instrução realizada confirmou possibilidade levantada pela representante de que os bancos representados podem estar utilizando de seu poder de mercado para, em conjunto, limitar ou prejudicar a atuação das corretoras de criptomoeda, vedando o acesso desses agentes ao mercado bancário. Fatos revelados neste procedimento preparatório podem, em tese, constituir indícios de infração à ordem econômica, matéria de competência desta autarquia antitruste. Sendo assim, tem-se condições suficientes para a abertura de Inquérito Administrativo para a continuidade da investigação a respeito das práticas relatadas na denúncia e ao longo da instrução (CADE, 2018).
Deve-se mencionar ainda o entendimento do órgão no sentido de que o fato de um mercado ser novo, e não haver regulamentação própria para ele não tem o condão de tornar esse mercado ilícito, “sendo natural que decorra um lapso temporal entre o surgimento de novos mercados e sua regulamentação” (CADE, 2018):
É até lógico que o mercado se antecipe ao Estado, e não o contrário, e que, portanto, inovações, pela simples razão de trazerem consigo um caráter de ineditismo recebam presunção de licitude, decorrência natural do princípio da legalidade, previsto no artigo 5º, II, da Constituição Federal. (CADE, 2018)
Enfim, algo que é de extrema relevância para qualquer abordagem do assunto foi devidamente ressaltado pelo CADE, ou seja, a natureza constitucional do assunto discutido, na medida em que, ipsis literis: “a ausência de regulamentação em hipótese alguma deve servir de argumento para tolher a livre iniciativa, algo expressamente previsto na Constituição Federal de 1988 logo em seu artigo 1° e, em seguida, no 170” (CADE, 2018).
Conforme evidenciado no procedimento instaurado no âmbito do CADE em desfavor dos Bancos que fecharam contas de corretoras de criptomoedas, a regulamentação desse mercado é questão que afeta os interesses do oligopólio financeiro, sendo dever da sociedade acompanhar com atenção essa discussão, uma vez considerado o potencial do mercado de criptoativos para contribuir com a queda na taxa de juros, e sobretudo, para que a distribuição de renda no país seja mais igualitária, e com maior inclusão dos menos favorecidos.
Conselho Administrativo de Defesa Econômica. 2018. Nota Técnica n º 39/2018/CGAA2/SGA1/SG/CADE. Disponível em: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?DZ2uWeaYicbuRZEFhBtn3BfPLlu9u7akQAh8mpB9yOq_PAOpP9dDSgD6LArOomnyuCuxWvMxZXH0h_hNIMOXVz24XbbZ7YVbHdLYBX85ikU5J-39JyCQbDhh5GXrOjb . Acesso em 25/09/2018.
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1 Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;
II – dominar mercado relevante de bens ou serviços;
IV – exercer de forma abusiva posição dominante.
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