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Efeitos da assinatura da Convenção de Singapura pelo Brasil

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Efeitos da assinatura da Convenção de Singapura pelo Brasil

O dia 4 de junho de 2021 já pode ser considerada uma data histórica para a mediação no Brasil: o dia que o País se tornou signatário da Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os Acordos Internacionais de Transação resultantes da mediação, mais conhecida como Convenção de Singapura.

Na trilha de outros importantes documentos na área de resolução extrajudicial de disputas como a Convenção de Nova Iorque e a Lei Modelo na área da arbitragem, a Convenção de Singapura se desenvolveu a partir de trabalhos da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (Uncitral), iniciados em 2015 e com entrada em vigor em 12 de setembro de 2020. O documento representa o reconhecimento internacional da força executiva dos acordos advindos de procedimentos de mediação comercial internacional e foi internamente incorporado por diversos países com intensas trocas comerciais e econômicas com o Brasil.

De fato, uma pauta de destaque na atualidade é a harmonização da legislação processual internacional, com especial atenção à finalidade de facilitar a cooperação jurídica entre os países e viabilizar um maior acesso efetivo à Justiça.

A Convenção foi ratificada em um momento complexo, marcado pela busca de soluções rápidas, eficientes e com segurança jurídica para destravar a economia mundial tão impactada pela pandemia.

O conteúdo da Convenção se aplica aos acordos de transação internacionais celebrados por escrito e resultantes de mediação, o que lhe confere posição de relevante instrumento de fomento à solução pacífica de conflitos, que volta-se à manutenção de relações harmoniosas entre as nações e de impulso e simplificação do comércio mundial.

A Convenção também se enquadra no contexto dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, principalmente o no 16, que trata da promoção da Justiça, da paz e do fortalecimento das instituições. Note-se que a satisfação desses objetivos da Agenda 2030 tem sido considerado por importantes atores no sistema de Justiça brasileiro, entre elas pelo Superior Tribunal de Justiça, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e por núcleos científicos como o Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da Fundação Getúlio Vargas.

Este quadro mais favorável ao encaminhamento de disputas nacionais e internacionais à mediação gera impactos diretos e indiretos relevantes em nações com alta litigiosidade como o Brasil. Um dos efeitos indiretos consiste na ampliação do uso de métodos consensuais de solução de conflitos em disputas empresariais internas e também em outros assuntos. Segundo o último relatório do Justiça em Números do CNJ, o Brasil finalizou o ano de 2019 com mais de 77,1 milhões de processos em trâmite.

Especificamente na área empresarial, dados do Boa Vista SCPC mostram que os pedidos de recuperação empresarial entre os meses de maio a agosto de 2020 (auge das medidas de isolamento social) registraram um crescimento próximo a 30% em relação ao mesmo período no ano anterior. A projeção sinalizada por algumas consultorias para 2021 é um aumento de cerca de 50% deste tipo de demanda na área de insolvência.

Nos processos de reestruturação de empresas em dificuldades, a legislação empresarial passou por alguns acréscimos e alterações recentes importantes que incentivaram o direcionamento às formas negociadas de tratamento de disputas, particularmente, a mediação. Os objetivos principais consistem em viabilizar a continuidade da interação da empresa com seus clientes e fornecedores, bem como a manutenção da atividade empreendedora e dos empregos.

Nesse sentido, o Enunciado nº 45 da 1ª Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios do Conselho da Justiça Federal (CJF) de 2016 expressamente reconheceu a compatibilidade prevendo da mediação e da conciliação com a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Em setembro de 2021 há a previsão da realização pela segunda vez dessas jornadas pelo CJF. Espera-se, portanto, um aprofundamento e abundância na discussão de temas relacionados a disputas empresariais e soluções negociadas, notadamente que envolvam o debate da mediação e da recuperação de empresas.

Em 2019, o CNJ publicou a Recomendação nº 58 voltada, sobretudo, aos magistrados responsáveis pelo processamento e julgamento dos processos de recuperação judicial e falência com o intuito de estimulá-los a promoverem a mediação sempre que possível.

Durante a pandemia, alguns tribunais implementaram projetos pilotos de mediação em demandas empresariais no âmbito dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs), como o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), por exemplo. Nessa linha, o CNJ publicou a Recomendação no 71 de 2020, que estimulou a criação de Cejusc especializados na área empresarial.

Finalmente, o art. 22, letra “j” da Lei nº 14.112/2020, que atualizou a legislação brasileira em matéria de insolvência, trouxe o dever do administrador judicial em estimular a mediação e a conciliação em processos de recuperação judicial. Já os artigos 20-A a 20-D da mesma lei tratam da utilização da mediação e conciliação, de forma preventiva ou incidental, nos processos de recuperação judicial, de modo a ampliar a aplicação e o estímulo ao encaminhamento de tais disputas via mediação.

Quanto aos efeitos diretos da assinatura da Convenção, a expectativa é que o Brasil se torna mais atrativo às relações comerciais internacionais multilaterais, na medida em que uma eventual disputa poderá ser rapidamente resolvida pela mediação e, na hipótese do acordo ser descumprido, poderá ser executado de forma bastante ágil e simplificada. Esse reconhecimento recíproco e harmonização propicia uma segurança muito maior para o investimento estrangeiro, muitas vezes repelido pelo elevando nível de litigiosidade e pela complexidade do sistema de Justiça do País, especialmente se este País for tão judicializado como é o caso do Brasil. Também nessa linha, espera-se um reconhecimento dessas evoluções normativas e de relações internacionais do país, por exemplo em uma melhor apreciação por ranqueamentos e análises realizados por instituições como o Banco Mundial e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento (OCDE).

O receio dos empresários estrangeiros com decisões divergentes ou com a falta de previsibilidade quanto ao desfecho da demanda dão lugar à confiabilidade e à segurança jurídica de um procedimento que coloca as partes envolvidas como protagonistas na construção da solução mais adaptada às circunstâncias do caso com auxílio e emprego de técnicas de um terceiro imparcial, o mediador.

Finalmente, o impacto de modo geral parece ser extremamente positivo e propício ao ambiente de negócios envolvendo elementos internacionais com o Brasil, assim como ocorreu com outros importantes documentos da Uncitral em circunstâncias pretéritas e com o firme posicionamento dos tribunais brasileiros, com destaque para o STJ, em precedentes de fortalecimento das vias extrajudiciais internacionais.

Texto original de Juliana Loss de Andrade, publicado pela Editora Justiça & Cidadania

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