A AB2L iniciou suas atividades em 2017 e, desde então, escreve os capítulos de uma história que tem muito para contar sobre o ecossistema de tecnologia jurídica.
Conheça nossas associadas.
Programas para educar o mercado, fomentar o ecossistema e participar ativamente do processo de regulamentação brasileiro entre direito e tecnologia.
Capítulos regionais/locais exclusivos para associados e grupos abertos ao público em geral.
Mais de 300 horas de conteúdo educacional focado no ecossistema jurídico e tecnológico.
Exclusivo para associados.
O que é blockchain? Como se alimenta? Onde vive? Todas essas perguntas (esperamos) serão (provisionalmente) respondidas nas próximas colunas. O objetivo dessa é convencer o leitor que essa tecnologia teve origem nas atividades de um bando marginal, radical, alternativo, segundo alguns deles, anarquistas, ou anarco-capitalistas. Não é cool que uma tecnologia que pode destruir bancos, cartórios, governos, bancos centrais, moedas, e o escambau venha de um bando underground? Um bando que se formou para defender o direito de não ser bisbilhotado.
Vamos voltar no tempo. Numa tarde de novembro de 1992, Tim May, um celebrado engenheiro da Intel[1], postou um pequeno texto[2] numa obscura lista de discussões técnicas onde fazia afirmações fortes:
Um espectro assombra o mundo moderno, o espectro da cripto-anarquia.
Esses desenvolvimentos (criptografia) vão mudar completamente a natureza da regulação governamental, a capacidade de tributar e controlar interações econômicas, a habilidade de manter informações secretas e até mesmo a natureza da confiança e reputação.
Como o arame farpado mudou o conceito de propriedade cercando vastas áreas, esse ramo obscuro da matemática (criptografia) será o alicate que corta o arame farpado em torno da propriedade intelectual.
Conheçam os cypherpunks![3]
Os cypherpunks são ativistas[4] que defendem o uso da criptografia, ramo da matemática que desenvolve códigos para comunicação privativa, como caminho para a mudança social e política.
Quais os pontos centrais da doutrina cypherpunk? Tim May escreveu no “The Cyphernomicon[5]” que os cypherpunks possuem uma série de convicções e crenças em torno dos seguintes pontos:
Como a lei do Estado não pode garantir o direito à privacidade, uma vez que o governo é o grande interessado na coleta de informações dos seus cidadãos, os cypherpunks usam a tecnologia como forma política de assegurar esse direito. O que está em questão aqui é o poder soberano. O Estado deve ter um poder ilimitado diante da sociedade?
O discurso cypherpunk nasce contestando o poder irrestrito do Estado. O nascimento do ativismo e dos coletivos cypherpunks está estreitamente vinculado aos movimentos anarco-capitalistas ou libertários norte-americanos. Em 1993 um texto chamado A Cypherpunk’s Manifesto[6] foi fundamental para a consolidação da primeira comunidade que a partir da perspectiva libertária via na criptografia um uso político. Foi escrito por Eric Hughes, matemático que no início de 1990 esteve na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Hughes foi um dos articuladores do movimento cypherpunk junto com Timothy C. May e John Gilmore.
“… A privacidade em uma sociedade aberta exige criptografia. Se eu disser alguma coisa quero ser ouvido apenas por aqueles a quem desejo que ouçam. Se o conteúdo do meu discurso estiver disponível para o mundo, não tenho privacidade. Criptografar é indicar o desejo de privacidade (…) Não podemos esperar que os governos, empresas ou outras grandes organizações sem rosto nos concedam a privacidade por sua caridade”.
Hugues trouxe no texto uma importante desconfiança não somente de governos, mas também de “empresas ou outras grandes organizações”. O indivíduo e sua privacidade é alvo dos ataques das grandes instituições modernas, o Estado e as firmas. O anonimato e a defesa da privacidade aparecem como grandes direitos a defender. Para os cypherpunks o objetivo de todos os governos é controlar e vigiar os indivíduos. A política em defesa dos direitos individuais passa pelo uso da tecnologia. A privacidade concretiza a vontade do indivíduo de não ser visto, ouvido ou controlado por nenhuma instituição.
Uma frase no livro Cypherpunks de Julian Assange, criador do Wikileaks, vinte anos após o lançamento do Manifesto de Hugues, esclarece as possibilidades da tecnologia diante do poder:
“A força de praticamente todas as autoridades modernas provém da violência ou da ameaça de violência. É preciso reconhecer que, com a criptografia, nem toda a violência do mundo poderá resolver uma equação matemática” (Assange[7], 2013, p. 80).
Ainda segundo o manifesto:
Nós os Cypherpunks nos dedicamos à construção de sistemas anônimos. Estamos defendendo nossa privacidade com criptografia, com sistemas de encaminhamento de e-mail anônimos, com assinaturas digitais e com o dinheiro eletrônico. Cypherpunks escrevem códigos. (…) Nosso código é livre para todos usarem, em todo o mundo. (…) A criptografia vai se espalhar por todo o mundo inevitavelmente e com ela os sistemas de transações anônimas que se tornam possíveis. (Hugues, 1993, online)
A criptografia pode proteger tanto as liberdades civis individuais como a soberania e a independência de países inteiros, a solidariedade entre grupos com uma causa em comum e o projeto de emancipação global. Ela pode ser utilizada para combater não apenas a tirania do Estado sobre os indivíduos, mas a tirania do império sobre a colônia. Os cypherpunks exercerão seu papel na construção de um futuro mais justo e humano. É por isso que é importante fortalecer esse movimento global. (Assange, 2013, p.22)
Papo cabeça, né? Pois é… Mas esse papo cabeça está mexendo com muita gente, muito dinheiro, muita coisa. Terminamos essa coluna com a incitação[8] de Tim May:
Levantem-se! Vocês não têm nada a perder que não suas cercas de arame farpado.
——————————————-
[1] https://en.wikipedia.org/wiki/Timothy_C._May
[2] https://www.activism.net/cypherpunk/crypto-anarchy.html
[3] pronunciando-se saiFerpanks, o termo é derivado de cyberpunk, saiberpanks, sendo que cypher, cifra, é termo de criptografia significando um algoritmo para realizar encriptação ou desencriptação.
[4] SILVEIRA, Sérgio Amadeu. A Trajetória Cypherpunk e suas Práticas Discursivas. Texto apresentado no II Encontro Internacional Participação, Democracia e Políticas Públicas, 27 a 30 de abril de 2015, UNICAMP, Campinas (SP)
[5] http://groups.csail.mit.edu/mac/classes/6.805/articles/crypto/cypherpunks/cyphernomicon/CP-FAQ
[6] https://www.activism.net/cypherpunk/manifesto.html
[7] ASSANGE, Julian et all. Cypherpunks: liberdade e o futuro da internet. São Paulo: Boitempo Editorial, 2013.
[8] https://www.activism.net/cypherpunk/manifesto.html
Ricardo Fernandes Paixão – Doutor em administração pela FEA USP, MBA pelo INSEAD e professor na Faculdade de Direito da UnB.
Fonte: https://jota.info/colunas/prospero/blockchain-zero-cripto-anarquia-29092017
Nossas novidades direto em sua caixa de entrada.