A AB2L iniciou suas atividades em 2017 e, desde então, escreve os capítulos de uma história que tem muito para contar sobre o ecossistema de tecnologia jurídica.
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Possível derrubada de veto presidencial em relação a certificados digitais pode custar R$ 88 milhões ao erário
As Nações Unidas acabam de lançar um relatório completo (Technology and Innovation Report 2021, publicado pela UNCTAD – United Nations Conference on Trade and Development, acessado em https://unctad.org/system/files/official-document/tir2020_en.pdf ) sobre o impacto das chamadas “Novas Tecnologias” na Sociedade. No estudo é esclarecido como a nossa comunidade, bem como os entes privados e públicos devem ter atenção especial em seu desenvolvimento. Afinal devemos sempre ter o ser humano como centro das transformações tecnológicas e não as máquinas.
Aprofundando na análise, hoje é possível destacar três tecnologias “fronteiriças”, ou seja, que estão na vanguarda e terão maior impacto na sociedade, no andamento dos negócios e na estrutura dos governos. São elas: a Inteligência Artificial, a Robótica e a Biotecnologia.
Durante muitos anos nossa sociedade foi pautada pelo princípio ético de raiz iluminista, mecanicista e materialista de que tudo que era tecnologicamente possível era automaticamente bom e deveria ser feito. Esse princípio ético está sendo questionado como nunca. Será que todas as transformações tecnológicas são boas em si? O fato de sermos capazes de desenvolvê-las significa que devemos colocá-las em ato?
O filósofo francês Bruno Latour defende que as tecnologias não são neutras, elas carregam em si uma finalidade e valores, que devem ser explicitados para colocar a luz seus possíveis vieses e preconceitos. Algo que o filósofo grego Aristóteles já assinalava ao falar das quatro causas do ente.
No entanto, questionar esse princípio ético não significa cair num ludismo contemporâneo ou um catastrofismo neofóbico que coloque freio à expressão da criatividade humana. O medo ao novo não pode ser um critério ético. Ir por esse caminho é fechar janelas para o futuro da sociedade.
Esse é o grande desafio da nossa geração. Seja do ponto de vista dos empreendedores da tecnologia, da população ou das autoridades de um país, todos estamos lidando com o desafio do equilíbrio, de estar aberto à experimentação de novos caminhos, respeitando o passado e tendo o ser humano como centro das decisões. É um caminho sem volta e de total importância seja na definição do plano de uma vida, da estratégia dos negócios ou na formulação de políticas públicas.
Independente do caminho que iremos seguir, uma coisa é certa: não podemos trilhar sozinhos. A colaboração, a transparência, a necessidade de criar estruturas inovadoras que resgatem a centralidade do ser humano é urgente. Tais valores devem permear as estruturas legislativas na criação de leis e ações que promovam um Brasil mais tecnológico, mais aberto à colaboração e mais equânime.
Nessas horas, todos os detalhes são importantes. O veto 50/2020 da Presidência da República irá para apreciação do Congresso e pode ser derrubado ou mantido. Refere-se a não ser obrigatório usar certificado digital para atos com entes públicos e na venda de carros. Replico aqui os dispositivos vetados.
Dispositivos vetados :
Art. 5º No âmbito de suas competências, ato do titular do Poder ou do órgão constitucionalmente autônomo de cada ente federativo estabelecerá o nível mínimo exigido para a assinatura eletrônica em documentos e em interações com o ente público. § 2o É obrigatório o uso de assinatura eletrônica qualificada: (…)
II – nas interações com o ente público que envolvam sigilo constitucional, legal ou fiscal, observado o disposto no § 3o deste artigo; (…) (VETADO)
V – nos atos de transferência de propriedade de veículos automotores; (VETADO)
Tal veto é fundamental, pois ajudará a descentralizar e democratizar a assinatura digital e a assinatura eletrônica, permitindo surgir modelos igualmente ou mais seguros, baratos e acessíveis.
A derrubada deste ato do Presidente da República significa a criação de um mercado centralizado, pouco competitivo, mais caro e burocrático.
Um estudo realizado pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS Rio) mostra como a derrubada do veto significará um aumento em R$ 88 milhões/ano nos gastos públicos, com aquisição de certificados digitais para os 884 mil usuários de processos administrativos, somente no âmbito do Poder Executivo Federal.
Ainda segundo a nota técnica do ITS Rio, em 20 anos, o certificado digital só chegou a 4,8 milhões de brasileiros. Em apenas dois anos, o sistema seguro do “GOV.BR” já tem mais de 96 milhões de brasileiros cadastrados gratuitamente. Assim, segundo os dados do instituto, a rejeição do veto importará na limitação de 98% da população ao acesso ao governo digital.
Um exemplo prodigioso sobre como essa movimentação e o exercício coletivo da ética tornará as tecnologias e as leis cada vez mais centradas no ser humano, está na sanção da Lei 14.129/21 que promoverá um governo mais digital, inclusivo e democrático.
Inicialmente foi inserida a proposta de um dispositivo que permitiria a cobrança de API para acesso a dados públicos. A intenção era boa, pois visava que tal cobrança financiasse a criação das próprias APIs. No entanto, o parágrafo 3º. do Art. 29, além de ser escrito de maneira genérica e aberta a muitas interpretações insanáveis por decreto, ia na contramão das disposições da OCDE (entidade internacional que Brasil deseja ser membro) sobre dados abertos e não seguia as boas práticas dos países com economia mais abertas que disponibilizam via API os dados que são públicos.
Apesar dos aspectos positivos e necessários do projeto de lei, esse simples artigo de cobrança conduziria a efeitos contrários ao próprio objetivo do projeto. Poderíamos observar a criação de um mercado monopolista de dados públicos, afinal instituições e empresas teriam acesso a dados públicos de modo diferenciado ao do cidadão comum.
Outro ponto relevante é que as startups que estão apenas começando não poderiam arcar com os custos de API impedindo a inovação e o surgimento de um mercado de dados mais competitivo, democrático e acessível. Após a redação de um manifesto da AB2L em conjunto com o Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio) , a ASSESPRO – RJ , a ABES – Associação Brasileira das Empresas de Software, ANPROTEC, ABStartup entre outras entidades de renome, a Presidência da República vetou o parágrafo 3o. do art. 29 que permitia a cobrança dos dados públicos disponibilizados via API. Uma vitória para a inovação, da sociedade e da população.
E para fortalecer a liderança do Brasil a nível Global e nos consolidarmos na promoção de uma agenda tecnológica, digital e empreendedora entrará em pauta o PL 7804/2014 (Lei de Dados Abertos) que versará sobre a disponibilização dos dados abertos por parte de todas as instituições públicas para que possa promover a transparência, um acesso livre e democrático aos dados públicos.
A futura lei de Dados Abertos estabelecerá padrões de dados e fortalece a jornada de transparência dos entes públicos advindas pela Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei de Acesso a informação e Marco Civil da Internet.
Esse movimento do legislativo de promoção de um governo aberto, transparente e auditável vai ao encontro do já citado relatório da ONU, que lista também outras tecnologias (como o IOT, 5G, BiG Data, Blockchain, impressora 3D, Drone, edição genética, nanotecnologia e energia solar) que devemos implementar e ao mesmo tempo refletir sobre como devem ser utilizadas para que tenham o ser humano como centro e não aumente as desigualdades presentes em nossa sociedade.
Não se trata mais de temas “do futuro”. São assuntos do agora. E para vivermos bem o presente, devemos aprender com o passado e nos preparar para o que está por vir. Leis que promovam uma sociedade mais aberta, transparente, com mercado competitivo são essenciais para que possamos entrar na disputa pela inovação e empreendedorismo mundial.
DANIEL MARQUES – Diretor-executivo da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L), mestre em filosofia da ciência, ética e antropologia e doutorando em direito pela UERJ com foco em Inteligência Artifical, Ética e Regtech.
Fonte: Jota
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